terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Da catarse ao caos (por Augusto de Guimaraens Cavalcanti)








E se não for pela poesia, como crer na eternidade?

(Alphonsus de Guimaraens Filho)

E se não for pelo FLA-FLU, como crer na eternidade? O mundo de petróleo e sangue se desfaz no choro das massas. Um balé de vento nasce nos dribles de anjos. Por de trás da tela é que se filma o que nenhuma televisão consegue captar. Nenhuma televisão consegue ver aurora no silêncio de onde enxergam agora esses astronautas do asfalto. O FLA-FLU é o ópio dos deuses.

Testemunhar um FLA-FLU é estar encantado de verbo, técnica, magia e tabu; é ter fome de galáxia, tudo ao mesmo tempo. Os alquimistas da grama rolam o diamante no verde das estruturas, deuses raros detonam a pedra filosofal nos pés. No sacrifício da bola o gol afasta os maus espíritos, os dados se esfacelam. Mas que não se enganem os inocentes: qualquer outro jogo é cinzento se comparado a essa guerra entre preto, vermelho, verde e grená. Multidões são inventadas na destruição suntuosa dos bens que cada drible incendeia. Cada drible arde no instante seguinte, presentes são lacrados e pegam fogo no suor suntuoso dos gregos. No FLA-FLU nada pode ser impessoal, os supermercados afetivos de lucro fecham suas portas.

Engoliremos as chaves de casa e celebraremos esse pó de cal e arroz que cai no sonho, na máquina radioativa de Mickey e Rivelino, que é a única máquina que nos interessa nesse mundo desolado. As senhas decoradas se desfazem por um milésimo de segundo nesse eclipse total nocauteado no estômago, ou mais claramente na barriga daquele certo Renato que já nasce mitológico. Enquanto isso, Assis faz explodir as flores grávidas de pólvora do infinito em Flávio. Que abismo trágico de asa nesse céu se rasga? O FLA-FLU é o ópio dos deuses. E se não for pelo FLA-FLU, como crer na eternidade?

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Bonner


É como ver os monstros que você sempre adorou agora saltando para fora da televisão. É como um pesadelo bem delicado. É como andar por corredores intermináveis e não ver a vida passar. É como o túnel de Ernesto Sábato, é como o sorriso de William Bonner. É como sentir uma pitada de domingo todos os dias da semana. É como adiantar seu alarme. É como flutuar. É como ter todas estas câmeras na cabeça; É como matar e ser feliz. É como se atirar do útilo andar e continuar vivo. É como estar sempre atrasado para alguma coisa que não se sabe bem o que é. É como se sufocar dentro da lente. É como uma guilhotina gentil. É como ser o rei do baixo astral. É como ver semideuses na sala de maquiagem. É como ser repórter deste desespero. è como viver de ruínas. É como apertar o botão. É como ser realmente o que se é, mas aí tem estas estradas complicadíssimas e tem-se que apertar play. É como esvaziar tudo. É como ser este o único jogo que ainda se resta para jogar. É como ter sempre um gosto leve de metal por de trás da língua satisfeita. É como a navalha da alegria. É como um monstro imundo. É como ser o rei de seus próprios cadáveres. É como ter a chave. É como uma beleza cega. É como tatear cronômetros. É como tentar beijar o tempo. É como carregar planetas. É como carregar óculos escuros.

E aí Bonner, vamos jogar?

Sílvio Santos


Sílvio Santos você agora é um fantasma lindíssimo andando pelas madrugadas dos anos 90. Sílvio Santos navega a dor em que barco? Jogamos no ar nossos aviões de felicidade e depois esperamos por algum raio, às vezes não chega....Os idiotas da objetividade não reparam na lua que carregamos todas as noites para nos salvar. Sílvio Santos, o primeiro navegador da madrugada. Já está mais do que na hora de enterrar todos os escombros dos anos 90. Sílvio Santos você agora é um fantasma lindíssimo.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Para Zé Celso









O céu como um grande hospital,
Todos os carros são cavalos temperamentais
E o mar sempre de outro mundo.
Hora de fugir dos porcos de direção hidráulica,
Desculpa, mas mão suporto tantas luzes na cidade.
Quero a elegância do acaso,
Quero oito céu de estrelas para além do céu de estrelas.
Quero o policial fazendo amor com sua metralhadora,
Quero o rebanho da bela ferida.
Castigados pelos holofotes caminhamos
Como um pássaro violento,
A língua do sim,
Asas de petróleo.
Agora toda esquina é uma bandeira.
Vou soltar meus bois para sempre,
Vou andar de cavalo no Baixo Leblon.
São anjos no jardim.
UBU-REI, viver faz muito barulho.
São deuses submersos
UBU-REI, eu tenho muitos espelho
UBU-REI, o rei é sol?
Não gosto de belezas óbvias,
Gosto de belezas simples.
Em toda rua há um jardineiro afogado
Em toda rua há uma hélice enferrujada.
Em toda rua há um marinheiro afogado.
Em toda rua há um poeta afogado.
Um poeta afogado.
Eu vou chorar minha vida inteira pelo asfalto
Assim como fez
Zé Celso Martinez.

Mel

Mel, só tenho para te oferecer esse meu reino depredado, o palhaço bate na tua porta. Neste depósito de máquinas desligadas busco por uma vida inteira a vertigem das discotecas. Nadamos em um estacionamento sem água. Amantes do asfalto, corredores estalam. Quero pular mesmo, te guardar e levar esta turbina mesmo na cara, relâmpagos no meio do intestino e sair no meio do trânsito dançando porque o mundo é assim mesmo, nada mais nada menos. Só esta tatuagem, só esse brilho, só este foguete de instante. Se te toco dá choque, se não consigo é este escândalo. Queria tomadas, mas você é sereia louca de Ipanema, você é esta luz que não se guarda, você disfarça escapa sempre me engana de graça. Eu finjo que não noto disfarço e volto. Afogado na vida: 220 volts.

domingo, 8 de novembro de 2009

Dias

Dias em que alguma lua vem invadir nossos quartos, faróis acesos, clarão em nossas casas. Dias em que os anjos e as máquinas vêm nos dizer bom dia. Dias em que pegamos os motores roubados e transformamos em cata-ventos. Dias em que nossos lençóis iluminados são belas bandeiras. Dias de observar armações, dias em que as luas estão ligadas nas tomadas, dias de televisões fora do ar. Algo está no ar, difícil flutuar, mas se flutua, impossível velejar, mas se navega. Algo no ar diz ser proibido dançar, mas se dança. A cidade é nossa dança. As ruas os nossos barcos. Dias em que saímos desorientados pelas calçadas, dias de cobrir as paredes descascadas com folhas de jornal. Dias de edifícios brilhantes. Dias em que o Mc Donalds serve hambúrguer com girassol e poesia.

Tabuleiro da rua

O peixe da angústia,
O mundo transparente.
Trago um belo pássaro por de tráas do cabelo.

Os tigres na calçada,
Ruas sem cor,
A tarde grávida de mim,
A tarde grávida de mim.

Unhas me cravam a pele de delicado metal.

Entre lama e estrelas é que se nada no céu,
Caminhar é ter falta de lugar.
Estou na minha avenida,
Eu vejo flores e choques elétricos.

Continuo me perdendo nas mesmas esquinas.
Palco iluminado.
Temos que nos recriar todos os dias.

Veneno

Todo vestido de raios. Todo entupido de planetas. Sou ajuntador de nuvens. Estou espalhando ruínas. Estou aqui nesta calçada de fogo. Canteiros não me entendem. Meus sonhos? Devastados. Minha máquina? Intacta. Eu sempre vou de navio para o cinema. Só me emocionam belezas inúteis como a de uma criança dançando na tempestade. Só acredito no amor dos que matam.
Toda pessoa é um milagre.

Herói

Postos para reabastecer os olhos de néon. Astronauta do possível. Cartazes sorriem. As minhas flores enguiçaram teu motor. Eu sou a mistura de rodas. Já me mataram tantas vezes e as placas continuam dizendo: Siga, siga, siga. Para o herói de areia convém dançar. É uma grande tristeza se arder em azul. Não faço mais poemas de amor, todos os meus poemas são de amor.

Fico aqui mesmo com meus sóis espalhados pela calçada.
Tropeço em tudo.

Perdi meus sonhos em uma tarde de sexta-feira,
A grande verdade é que me assassinaram belamente,
Ando todo desconjuntado.

Remendo quando posso, Uso cola quando amo,
Junto todos os pedaços.

Naufrágio

Como é bom naufragar às quatro horas da tarde.
Pegar seu barco, sua nau, seu mastro
E ir para a avenida mais movimentada da cidade.
Cravar sua carcaça na paisagem e começar o jogo.

Escolher o prédio mais bonito e que melhor possa
Abrigar o seu barco pegando fogo.

Entrar de encontro com as estruturas.
Entrar de navio pelo corredor e brilhar.
Brilhar.

Tarde

E agora já é tão tarde
Que nada do que pode ser dito importa,
Tudo é tão permitido,
Tão frágil.

Pois já se é tão tarde que
Que sabem os deuses
Do ruído do mundo?
Alguma mosca voa solta,
Se espatifa na calçada,
E já bate tão tarde
Que o esqueleto da noite
É areal de vazios,
Tarde.

Agora já é tão tarde
Que nenhum deus está acordado.
Tão tarde.
Nenhum deus arde.
Tarde.

Paisagens

Livre para descobrir que a noite é um lago,
Televisão para assistir estrelas.

Corpos imóveis, paisagens portáteis,
Algum antídoto contra todo esse veneno.
Solitárias paisagens, alguma pista.
Quando o mundo pede só um pouco mais de ilusão.

Ilusões de gravidade
Sob os spotlights.
No umbigo do mundo
Os carros correm em sinfonia.

E tudo está dito.
Paisagens para derramar os olhos.
Por de trás do vidro se cria o monstro.
E eu amo as paisagens que não existem.

sábado, 7 de novembro de 2009

Noite

Nossos mapas estão incendiados.
Caminho sobre sua máscara de orvalho.
A noite é um monstro que ninguém sabe onde está.
Destruo meus cacos e faço meu carnaval.
Já não sei se a noite é lá fora ou dentro de mim.

Mas afinal, será que a noite é mesmo a noite?
Será que o meio-dia é isso?
Ou estaremos todos cegos olhando
Para os olhos de vidro do outro,
Para o espelho do outro,
Ladrões de nós mesmos
Correndo incendiados por ilhas além mar?

Capa de abismo












Veste teu manto de loucura e sai pela noite. Sai pela noite porque tudo é tão misterioso. Que todas tuas ilusões perdidas são só algum brilho desvairado. Rí do teu próprio ser atropelado, mas que a noite é tua. A barba que te cerra o rosto é o destino vestido dentro de cada olhar. Como uma estrela desgovernada. Teus medos, tua parafernália de exageros. Que a noite é tua loucura, tuas utopias despedaçadas. De claridades noturnas você sai por aí como um lobo atrás da caça. Teus segredos se desfazem mas tudo permaneçe em aberto. E você nem nota que a sarjeta é tua liturgia, bela pulsação de delírios. Tira estas roupas que incomodam tua existência e anda com teus pés descalços. Que tudo que sobrou foi uma música tocando baixinha, uma música que talvez nem exista mais. Pisa de leve sobre tais ruínas. Quem sabe assim pelo menos a noite possa parar de morrer. coloca tua máscara, anda com tua classe de príncipe sobre teu reino depredado. Tira este relógio da parede, utiliza teu relógio imaginário. Recolhe tuas migalhas, veste tua capa de abismo. Veste teu manto de loucura e sai pela noite. E quem sabe desse jeito um dia a noite possa parar de morrer.

Novo mundo

Um talk show de poesia, a bossa já não é mais nova.
Multidão sentimental correndo para onde?
Eu te agradeço Spielbierg pelo lixo de cada dia,
Eu te agradeço Spielbierg pelo caos portátil.
Meus sonhos foram sepultados em 1972,
E eu não era nem nascido.
Nasci sobre as ruínas de um mundo imaculado.
Nada me pertence mas eu desconfio que o mundo
Atual seja bem melhor.
Carregando esse vídeo game estúpido dentro do peito,
Nasci com uma máquina de fazer inferno e de fazer
Poesia. Eu te agradeço Spielberg por tudo.
Eu te agradeço Spielbierg mesmo assim
Por tanta Ilusão.
Desconfio das idéias, sei que todo poema é uma
Navalha.
O novo mundo é bem bonito nas telas da cidade.

Meio-dia

Procurando o infinito em uma selva de espelhos,
Nadando até o azul da piscina me afogar.

No sufocante meio-dia em que revelo meus segredos,
Sei que nenhum guarda-chuva pode me proteger,
Sei que o infinito esconde suas senhas dentro desses óculos escuros.

Cidade de relógios sem ponteiro
Interrompidas

Pessoas de plástico sorrindo na avenida,
Mulheres peladas nas bancas de jornal.
Para onde vão as estrelas quando o céu desaba?
Deus está solto, Deus está solto
Junto com minhas cartas embaralhadas,
Minhas janelas de silêncio,
Aqui estou eu e aqui está o sol,
Aqui está seu brilho mais violento
Comendo céu e vomitando estrelas para quem quiser ouvir.

Agonia na gaiola,
O infinito também chora.
O minuto seguinte não existe e tudo é de areia,
Sou só eu de pijama no meio da calçada.
Agora há uma enorme procissão de simulacros atrasados,
Espelhos empilhados como degraus para se atingir o universo.

Sentimental

Te imagino em todos os aviões do céu,
Meu aeroporto está lotado.

Ritual

Ruas no meio-dia são sempre os mesmos desencontros.
Peguei as navalhas mais finas para dissecar a tarde.
Tirei a pilha do relógio e cravei meu castelo de areia no ar.

Eclipse

Hoje ser feliz dentro dos engarrafamentos.
Maestro nos corredores noturnos,
Maestro de controle remoto para que mundo?
Hoje não quero espetáculo.
Quero meu romantismo de hora marcada.
Atravesso ruas.
Hoje ver a construção junto de quem constrói.
Tudo na mesma esquina.
Eclipse.
E quem tem medo dos carros?

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Poemas para se ler ao meio-dia

Pega a poeira das estrelas e guarda,
remenda, junta e forma outra estrela possiível.

O meio dia possui estrelas que até a noite desconhece.

Flash

E agora o relógio transbordando madrugada,
Todas as tomadas estão desocupadas,
Todos os piratas estão afogados todos os violinos estão quebrados.

Madrugada desligada,
Esquecer as chaves em algum bolso remoto qualquer,
Heróis, frases, sonhos,
Todos os aeroportos afogados em primavera........

Cato um sorriso e coloco na palma da pluma,
De garfo e faca para o vento,
Somos todos folhas levadas pelo vento,
A vazante de um rio desnorteante e desnorteado.

De garfo e faca para o vento,
Estrada de nuvens,
Cinema de insetos.

Queimo minha asas e começo a voar.