quinta-feira, 17 de julho de 2014

A mais ficcional de todas as Copas (parte 3) (texto publicado primeiramente no site Ornitorrinco)

Como diria meu primo, assim é o futebol, o mais ilógico dos esportes, fundamentado não numa lógica, mas numa mitológica. A precisão cirúrgica não existe no ludopédio bretão e, até por isso, o futebol é o jogo mais surpreendente do planeta. O futebol está mais para o jogo de azar do que para o esporte e, por isso mesmo, é o jogo mais popular do planeta. Por exemplo, quem imaginaria que a Costa Rica seria o primeiro colocado em seu grupo? Ou quem poderia jamais imaginar que a campeã Espanha perderia de 6 a 1, logo em sua primeira partida da Copa.

Bom, mas de qualquer forma, nem o o mais apocalíptico dos críticos do selecionado brasileiro imaginaria um estrondoso 7 a 1 em plena Belo Horizonte e, para um cenário mais insólito ainda, para uma Alemanha trajando cores rubro-negras numa jogada de marketing da marca esportiva germânica da Adidas. Na verdade, a Alemanha só possui o primeiro uniforme fixo na cor branca, a segunda camisa alemã é itinerante e muda a cada Copa. Neste torneio realizado em terra brasilis de Pindorama, talvez o escrete alemânico tenha escolhido pela camisa do clube mais popular do país não so por marketing pessoal, mas também para adicionar mais inesperados contornos ficcionais em um quadro em que a seleção canarinho jogaria contra uma Germânia vestida de Flamengo numa semi-final tão doce quanto limão. O certo é que a hecatombe do 7 a 1 ficará marcada nos anais da História com H, assim como também atormentada historicamente ficará a comissão técnica comandada pelo rio platense Luiz Felipe Scolari. Ainda, para “melhorar”, o Brasil levou outro passeio do selecionado batavo por 3 a 0, com a Holanda jogando contra uma inerte seleção brasileira.

Certa vez ouvi um anedotário popular que dizia que técnico é igual a dono de sauna, já que ambos vivem do suor alheio. Não sei se concordo totalmente com tal afirmação, já que existe, ao menos para mim, a clara diferenciação entre técnicos, incentivadores e estrategistas. Para mim, atualmente, Scolari se localiza no limiar entre o incentivador e o treinador de rachões. De qualquer forma, o fatídico 7 a 1 deixará cicatrizes no renomado futebol nacional, ainda que tal placar dificilmente se repita em uma outra semi-final de Copas do Mundo. Até por isso, pelos seus momentos incertos e fortuitos,  definitivamente o futebol é o mais irracional e imprevisível dos esportes e, por isto mesmo, o mais assitido ao redor do globo.

Sim, a Copa mais ficcional de todos os tempos chegou ao seu final em pleno ano enigmático de 2014. Espero que o que seja lembrado em um torneio mundial como este é que uma nação é reiteradamente composta por uma mistura de lembranças e esquecimentos em comum. Não existe nenhuma nação em si ou nenhuma nação substantiva e unívoca. Sendo assim, o que o nacionalismo mais costuma ensinar aos homens é a ficarem orgulhosos por algo que não fizeram e a odiarem pessoas que nunca encontraram. Nesse sentido, é sempre bom lembrar que, quando os astronautas nos olham de cima, não existem fronteiras bem demarcadas entre um país e outro. Para os astronautas, somos todos mais terráqueos do que terratenentes. É tudo uma questão de perspectiva. Tudo uma questão de manter em aberto as margens ficcionais entre os países constitucionais e os países que se reinventam todos os dias; países cujas únicas fronteiras possíveis são formadas por nuvens. Como bem diria o poeta Cláudio Willer: “Não existem as cidades, são nossas viagens que criam roteiros-mapas de superfícies luminosas. As cidades não existem, só os encontros são reais, as prolongadas conversas capazes de transformar qualquer lugar em praia deserta ao anoitecer”.

Por fim, mas não por último, termino aqui este texto (tão futebolístico quanto mais imaginário) com uma edificante citação do não menos magnífico Radamés Stepanovicinsky, o maior bulgarólogo de todos os tempos que vaticina: “Fim do longo, o inútil assombra. A mesma esperança que não se deu se escombra, prolixa...A vida não passa de um mendigo bêbado que estende a mão à sua própria sombra. Dormimos o universo. A extensa massa da confusão das coisas nos enlaça de sonhos. Enquanto isso, a ébria confluência humana desguarnecida e desabitada ecoa-se, de raça em raça, de deserto em deserto, de escombro em escombro. Somos todos reais, excessiva e inesperadamente reais !”

sexta-feira, 11 de julho de 2014

A MAIS FICCIONAL DE TODAS AS COPAS (PARTE 2)

A tal Copa, aquela que já não está tendo, está perto de chegar ao fim. Sim, a Copa mais ficcional de todas as Copas se encaminha para um enigmático desenlance. Apesar da atmosfera insólita que ronda a Copa que já não teve, alguns jogos foram dignos dos jogos mais reais. Partidas envolvendo seleções como Holanda, Brasil, Alemanha, Chile, Uruguai, França, Costa Rica, Estados Unidos, México, Argentina e outras pareciam realíssimas diante da aturdida multidão da Copa que já não teve. Futebol e fiçção andam entrelaçados pela tal Copa do Mundo FIFA de 2014, a mais insólitas de todas as Copas. Nesta Copa, as representações do real estão, incontornavelmente, atreladas à ficção; a ficção se transformou mesmo na verdadeira Realidade.
Durante este período, talvez o que menos tenha chamado a atenção foram os momentos rasos de normalidade. Até o “renomado” jornalista Mário Sergio Conti aderiu à atmosfera abjeta da duplicidade do real. Ao entrevistar seriamente o sósia do técnico Scolari, Conti talvez tenha rompido com as margens que separam o real e seu duplo. Tal qual no filme fabular “F for Fake” narrado por Orson Welles, as fronteiras que demarcam o orginal e a cópia foram borradas e o que teria sobrado seria um quadro documental do caráter inapreensível do real. Curiosamente, o sósia de Scolari deu respostas mais sensatas e sóbrias do que o próprio. Será que se Conti encontrasse Inri Cristo com suas beatas diria que falou com Jesus ressurecto?
 Outra cena interessantíssima foi a de uma cadeirante que voltou a andar em plena Arena Itaquerão durante jogo da seleção nacional. Isto sem falar nas defesas assombrosas do goleiros Howard, Ochoa e outros. Teve também o poste urinando no cachorro e a banana deglutindo o macaco com a surpreendente seleção da Costa Rica a matar o chamado “grupo da morte” entre Inglaterra, Itália e Uruguai.

Deveras lírico foi toda a metade desta lírica Copa supefaturada que teria custado a bagatela de R$ 28 bilhões de Surreais, sendo, assim, a Copa mais cara da História para uma FIFA que não pagará impostos. Tal qual um circo itinerante que leva sua tenda. Continuamos no plano mitológico dos discursos reais que tendem à ficção. Seguimos pelos traçados das verdades críticas, plásticas e permanentemente instáveis. Esperamos por mais inusitados lirismos de mulheres protegendo o baço para ir no FIFA FANfarronice FESTA, barrigas negativas das musas de plástico. Amor em tempos de cólera. Amor em tempos de Tinder. Explosões químicas a ocorrer por toda parte, por onde quer que novos corpos se entrelaçem.
Mas, e o que seria desta Copa sem a a mordida canibal vanguardista do atacante uruguaio Luis Suárez? Inspirado em Hans Staden, Francis Picabia, Lautréamont e Oswald, o centroavante já tem um histórico eclético em dentadas em adversários: primeiro pelo mitológico Ajax batavo, segundo pela Liga Inglesa por onde jogava Suárez até o momento no beatlemaníaco esquete do Liver/pool. A terceira mordida do vampiro uruguaio veio logo em plena Copa 2014, comprovando que o dianteiro é um personagem reincidente em suas aventuras e, praticamente, um Nosferatu pós-moderno. Em jogo apitado pelo Drácula, quem morde é o Suarez.  No entanto, indiferente às metáforas do espetáculo, a FIFA (bastião de um mundo politicamente correto) resolveu expulsar o centroavante-sensação da Copa de 2014. Ainda assim, há uma festa em seu cérebro. Luisito Suarez sabe que não há genialidade possível sem doses de loucura; doses homeopáticas de loucura. Com diamantes em seus pés e lobos em seus olhos, Luis Suarez é até agora a grande figura desta Copa das Copas.

(To be continued) 
 [texto publicado inicialmente no site Ornitorrinco: ornitorrinco.net.br] http://www.ornitorrinco.net.br/2014/07/a-mais-ficcional-de-todas-as-copas.html