quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Por meio de cimentos febris os prédios vão crescendo em cada músculo da cidade  construções são clarificadas por tiros e retiros de delicadezas
Brilham os cimentos dos vencidos, a cidade de cal e sonho envolve a noite numa trapaça
Ruas são como espelhos, poéticas em ato, delírios de acasos
Não somos senão uma geografia de ruas que nos vêm do Cosmorama dos cronômetros consumados pelo tempo
Escritas do amanhã talhadas nos ladrilhos do agora

As horas seguem a desabar umas sobre as outras diariamente, como deuses a forjar seus próprios destinos
Um sol escuro ilumina os asfaltos cardíacos
No beco dos girassóis as flores são calculadas, as camisas engolem os passantes e os corações não possuem direção hidráulica
Calçadas flutuam soltas pelas salas de deuses sem deus

Na rua do mundo, somos todos espelhos flutuantes, loterias em primavera
Cidades são hospícios ao céu aberto, hospitais para insones, orações mais do que tardias
Enquanto andamos, cada passo se apresenta como um pequeno museu de desmaio
Uma rua se funde à outra, o asfalto se funde em ruas, a rua se funde ao aviso luminoso da solidão que vende mais

E as câmeras, não mentem?
Uma rua se transmuda numa maré secreta de fome e de espasmo
O útero transparente da cidade se desnuda na rua
Uma rua existe como um rumor, puro ruído de raro observar

Como uma oração de cicatrizes, a esquina dos girassóis ascenderá em cada ressaca de futuro
Assim como um poste sabe como acender e um peixe sabe como boiar e uma criança sabe como atear fogo no útero da mãe, a esquina dos girassóis irromperá em alguma esquina sem nome
Os céus irão invadir os planetários

(“Esquina dos girassóis” – AGC – Os tigres cravaram as garras no horizonte [2010])

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Deuses alucinados não deixam a cidade dormir
– O engenheiro quer abolir a noite,
mas nenhum engenheiro jamais abolirá o fato de
a localização poética poder soterrar a localização geográfica

Existem palavras para serem lidas no escuro
Dias estranhos, melhor escapar
Dias admiráveis, aos vencedores: o dia

O cinismo é a sabedoria dos vencedores,
pura estátua nos ponteiros de carne
Muros brilham nas argamassas dos perdedores

Como órfãos da tempestade,
cada planeta carrega o nome de sua pele,
cada placenta traz sua casca gravada
na viva cal das plumagens do cabelo

Dilúvios de Chernobyl,
como sementes para os olhos,
projeções de Monica Vitti

De repente estrelas descem do teto
Intratáveis girassóis entopem tua casa
Girassóis fertilizam a lapela da camisa

A fechadura te alaga
Ela está grávida de sol
O lilás é só para iludir?

Só uma alma de diamantes pode reconhecer outra alma de diamantes
Só o fogo purifica o fogo
A leveza é um peso insustentável


(“Blecaute 2” – AGC – Os tigres cravaram as garras no horizonte [2010])

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

No chão do meio-fio faísca o tigre da linguagem
– seria o tigre da palavra, apenas palavra, sem rugir?
mundo, quais os mapas te prendem?
como tolerar o cemitério dos telefones, os sábados de poeira?
mundo, que janela te desaba?
quem poderia negar seus revólveres de olhos azuis?

A lua mais parece um sorriso sem gato,
heróis envelhecem pela esquina
puros desenhos de edifícios arranham os céus
– um homem com etiqueta de homem se comunica
através da linguagem das flores
estruturas são regurgitadas por gargantas de lâmina;
imagens são feridas pelo cinema

Tudo pode ser combustível para os pássaros solitários
que dançam e dançam e dançam
– pessoas adoram dançar no escuro
cada um aguenta a lua que pode
sempre as mesmas estrelas para os mesmos estômagos
tantos túneis se perdem na cidade

mas, seria o desabrochar de um edifício tão eficaz quanto a engenharia de uma flor?
– todo índice, um símbolo
à cada filme, uma caverna
todo artifício, um pequeno milagre

Cidades são traçadas,
mas arquitetos regurgitam gotas de chuva;
os heróis já podem se retirar

(“Os mapas” – AGC – Os tigres cravaram as garras no horizonte [2010])

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Só é possível estar imerso no acidente:
pelas margens dos seus fios devoro teus sonhos
tomo um porre de astro
uma overdose de galáxia
desligo o telefone
coloco um firmamento no lugar da cabeça

Teleilusão:
câmera na floresta de vertigens
em que um trovador se perde e se salva:
controles remotíssimos:
réguas de ritmo:
mecânicos playgrounds:
dicionários de brinquedo:
rainhas cruéis não me fazem chorar

Luas de sangue confirmam
que em cada átomo de bomba
te invento e te construo
– suas garras me fazem brilhar

A espera desespera
um vestido se espalha no ar
as luas de sangue não sabem
– só se amanhece por um triz

Van Gogh procurou outro amarelo
quando a tarde caiu:
o semáforo marcou azul

(“Em obras” – AGC – Os tigres cravaram as garras no horizonte [2010])

Não somos senão uma geografia de ruas que nos vêm do cosmorama do indeterminado do tempo.
Ruas são como espelhos, poéticas em ato, delírios de acasos.
Ruas são metralhadoras consumidas por cronômetros consumados em calçadas movediças.
Na rua do mundo, somos todos espelhos flutuantes, loterias em primavera.
Cidades são hospícios ao céu aberto, hospitais para insones, orações mais do que tardias.
As câmeras não mentem?

Enquanto andamos cada passo se apresenta como um pequeno museu de desmaio.
Uma rua se funde à outra, o asfalto se funde em ruas, a rua se funde ao aviso luminoso da solidão que vende mais.
Uma rua se transmuda numa maré secreta de fome e de espasmo.
O útero transparente da cidade se desnuda na rua.
Uma rua existe como um rumor, puro ruído de raro observar.
Brilham os cimentos dos vencidos, a cidade de cal e sonho envolve a noite numa trapaça.
Escritas do amanhã talhadas nos ladrilhos do agora.

No beco dos girassóis as flores são calculadas, as camisas engolem os passantes e os corações não possuem direção hidráulica.
Por cimentos febris os prédios vão crescendo em cada músculo da cidade, construções são clarificadas por tiros e retiros de delicadezas.
Um sol escuro ilumina os asfaltos cardíacos.
Calçadas flutuam soltas pelas salas de deuses sem deus.
As horas seguem a desabar umas sobre as outras diariamente, como deuses a forjar seus próprios destinos.

Como uma oração de cicatrizes, a esquina dos girassóis se ascenderá em cada ressaca de futuro.
Assim como um poste sabe como acender e um peixe sabe como boiar e uma criança sabe como atear fogo no útero da mãe, a esquina dos girassóis irromperá em alguma esquina sem nome.
Os céus irão invadir os planetários.

(“Esquina dos girassóis” – AGC – Os tigres cravaram as garras no horizonte [2010])


terça-feira, 4 de outubro de 2016

Pratos e copos já podem se quebrar
sem nenhum escândalo
flor ausente
mar em carne viva
paraíso exterminador

palavras somem pelos guardanapos
janelas e desfolham como bandeiras
olhos transbordam pelas pétalas dos teus pelos

acompanho tuas pegadas como se fossem cidades
todas as manhãs jogo minhas asas mortas
nas águas desguarnecidas de algum mar


Happy and
no museu do infinito 
os passos parecem dançar

Só o vento tece o tecelão da paisagem
Lá fora a multidão continua fria
fria

Desmorona o dia nos andaimes de claridade
Na cidade de cal e sonhos
todos os prédios são sustentados por uma ilusão

O engenheiro viu o mundo turvo
na pavimentação do céu
no vazio vazado das paredes
no pulsar dos muros
no gosto amargo da vitória
na agonia dos vencedores
no monótono troféu

O anzol de rampas e viadutos acaba de cravar seu último raio
Quatro asas flutuam rumo à outra eternidade

(“Lullaby” – AGC – Os tigres cravaram as garras no horizonte [2010])




Palavras são pedras e dias são mapas,
poetas criam sua própria ilha em um oceano de céu

Tudo desaba em um grande oceano de céu,
todos os minutos perdidos se reúnem aqui

As pedras dormem,
o pássaro é o umbigo da paisagem

Enquanto isso a avenida acorda em obscuro delírio,
delicada treva

O homem se torna a fronteira mais tênue,
o poeta esculpe suas sombras,
tudo não passa de um oceano de céu;
esquinas e mais esquinas de abandono

Anjos da destruição professam ao redor
teus espaços sequestrados

Em qualquer queda ou voo teus dados
desesperam o encaixe do mundo

Os desertos ardem,
os braços desenham o caminho

Todos os futuros estranhados se desassombram agora
– os sonhos não cabem nos cofres

Arrepios de jardins além dos muros
clareiam os bustos das estátuas em fina flor

As mãos latem que o corpo é o maior palco da vida,
você bem nos ensinou, mas a quem pertence teu relâmpago?

Escultor de folhas secas,
profeta do fundo do mar

Tuas rochas sustentam o impossível;
as superfícies não têm mais fim

De todas as meias-noites criva teu grande borrão
em um véu tão leve que nem se repara no choro
do grande sossego das coisas

Teus reis se rasgam,
todas as faces se confundirão um dia
na tua solidão plástica

Estamos aqui para assistir você tomar posse da luz,
acolher luz, conquistar luz;
sequestrar Espaços

(“Rainer Maria Rilke” – AGC – Os tigres cravaram as garras no horizonte [2010])



segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Cansado de correr pelas maquetes da vida
Os aeroportos não cabem nas telas
Os sonhos não cabem nos cofres

As pontes são suas,
o coelho desanuviado meu;
a escada se esfacelará em nossas mãos

– Tentei penetrar na pele lodosa da cidade,
mas tudo que vi foi um monstro adormecido

e sorrisos gordurosos
Por onde passei as mulheres me ofereciam
castelos sangrentos e as arquiteturas

mais delicadas dos caminhos
Após sobrevoar insônias turísticas

e as paisagens do coelho generoso,
por esses asfaltos, como morri! –

Quando o engenheiro fica assim logo projeta outra cidade,
cospe alguns relógios que lhe engasgam a existência;
só assim é quase feliz

(“Cidade” – AGC – Os tigres cravaram as garras no horizonte [2010])