quinta-feira, 31 de agosto de 2017
terça-feira, 29 de agosto de 2017
Quando um deus morre, a multidão se pergunta:
para que medir a cidade com passos?
Os pés não têm memórias?
para que medir a cidade com passos?
Os pés não têm memórias?
Distraidamente um homem sem sombras carrega
suas paisagens remendadas no bolso, as mastigará
nas primeiras horas de um janeiro qualquer
suas paisagens remendadas no bolso, as mastigará
nas primeiras horas de um janeiro qualquer
Homem atravessado por um céu sem nuvens,
levará na sacola toda uma coleção de paisagens subtraídas
levará na sacola toda uma coleção de paisagens subtraídas
Nenhum dia será belo como o sol que se apagará
nos horizontes dos aeroportos e em seguida virá se inflamar
na pista de pouso dos corredores e dos prédios
nos horizontes dos aeroportos e em seguida virá se inflamar
na pista de pouso dos corredores e dos prédios
No dia em que o teto cair qual e tal a maçã de Newton,
aí sim brilharão com a maior das intensidades translúcidas
os corpos translúdicos e seus corações cicatrizados
aí sim brilharão com a maior das intensidades translúcidas
os corpos translúdicos e seus corações cicatrizados
Um dia, quando este homem estiver dourado de cansaço,
tomará tanto sol que ficará todo iluminado por dentro
e então verá o outro ocidente de haikais
que os barcos vêm trazendo
tomará tanto sol que ficará todo iluminado por dentro
e então verá o outro ocidente de haikais
que os barcos vêm trazendo
Aí então, o balé improvável dos astronautas
será composto por formas habitáveis e
pelo sangue coagulado de continentes vicários
– o pós espanto da pós poesia do pós contemporâneo
será composto por formas habitáveis e
pelo sangue coagulado de continentes vicários
– o pós espanto da pós poesia do pós contemporâneo
E os deuses não mais se cansarão de escrever o real
["O homem sem sombra": Máquina de fazer mar (2016, 7Letras, AGC)]
O poeta não só enxerga, como vê a construção
junto de quem constrói, tudo na mais maré mais alta
de oceanos sem margens
junto de quem constrói, tudo na mais maré mais alta
de oceanos sem margens
Tudo pela clausura móvel da pele,
pelo reflexo de um âmbar, para que a paisagem escape
de sua própria escravidão
pelo reflexo de um âmbar, para que a paisagem escape
de sua própria escravidão
Pelo rigor na experimentação e pela experimentação no rigor;
construções em ruínas de construções
– like a slow burn
construções em ruínas de construções
– like a slow burn
O chão sustenta o tapete, que fixa
a cadeira, que sustenta os pés
Os dicionários são incômodos,
os nomes provisórios
a cadeira, que sustenta os pés
Os dicionários são incômodos,
os nomes provisórios
O voo de um pássaro não se prende a moldura alguma
_ quase nunca o calendário cardíaco corresponde ao calendário solar. o corpo é a medida da concretude das coisas, mas, por outro lado, é na mente que as ideias fluem; daí quem sabe, algumas ilusões geográficas _
É preciso nascer para provocar cortes nas escrituras do passado
Nascer junto com os mortos, escrever e ser escrito
Nascer junto com os mortos, escrever e ser escrito
Um dia, a localização poética ainda haverá de ampliar
a localização geográfica
a localização geográfica
["Slow burn": Máquina de fazer mar (2016, 7Letras, AGC)]
terça-feira, 22 de agosto de 2017
Do corpo só irá
ficar o arrepio – ela dizia –, enquanto
era no
contrapelo de sua pele que cresciam os tigres,
seus tigres
todos à espreita como um câncer bom
Em sua sala de
chuva ela fazia nascer as frutas
antes de
qualquer chuva, paisagens surgiam
de suas sombras rumo
à melancolia de outro azul
Medusa urbana
trazia nos olhos um laboratório
de estranhezas, seus
lábios de chumbo derretido
espelhavam uma
estranha simetria de luzes
Tudo que não era treva fulgurava
no far west de
seu tédio,
por debaixo da
sombra de algum deus
Pequenos crimes
de amor e algumas ilhas turvas
atravessavam as
janelas anônimas dos olhos
A glacialidade
bruta de um beijo dissolvia os mapas e
os ponteiros
grudados na epiderme das paredes
A geografia quântica
de suas unhas arranhava
e ampliava o sol
da meia-noite
Flores eram
germinadas por suor e susto,
o céu ainda
tinha a cor das suas unhas
Era preciso ter
a sede dos afogados,
ser invadido por
este azul, pela melancolia do azul
Quanto mais se
vivia, menos se morria
E
todo o resto era literatura
("A melancolia do azul" in: Máquina de fazer mar, 7Letras, 2016; AGC)
terça-feira, 8 de agosto de 2017
Sim, talvez o tempo não passe mesmo da palavra tempo
adormecida na serpente da língua, esta lâmina
de carnes indizíveis que dança pelas tardes inevitáveis e
pela chuva que deságua para fora do poema
adormecida na serpente da língua, esta lâmina
de carnes indizíveis que dança pelas tardes inevitáveis e
pela chuva que deságua para fora do poema
Éramos frágeis animais com nossas luas soltas
e alguns silêncios coagulados num túnel a transbordar
suas delícias agridoces contraindicadas para quem
ainda acreditasse nas ficções do meio-dia
e alguns silêncios coagulados num túnel a transbordar
suas delícias agridoces contraindicadas para quem
ainda acreditasse nas ficções do meio-dia
Palavras mínimas levavam muito tempo para se dissolverem
com aqueles corpos faiscando por paredes translúcidas
e janelas desmedidas de cortinas diárias e diáfanas
com aqueles corpos faiscando por paredes translúcidas
e janelas desmedidas de cortinas diárias e diáfanas
Éramos frágeis animais com nossas bússolas invertidas
e diamantes de destruição; uma sombra líquida nascia
no mar justaposto do teu ventre
e diamantes de destruição; uma sombra líquida nascia
no mar justaposto do teu ventre
O caroço morto de uma estrela renascia e brilhava
através da alegria amarga de um girassol
através da alegria amarga de um girassol
Atados pelo sol, surdos a qualquer música
que não viesse de nossas próprias pulsações,
éramos um ruído auditivo e um sopro sonoro,
– mínima lâmina –
ecoando no interior do interior do interior
que não viesse de nossas próprias pulsações,
éramos um ruído auditivo e um sopro sonoro,
– mínima lâmina –
ecoando no interior do interior do interior
Os primeiros mapas do mundo eram da cor de sua pele
[II]
Cabelos de relâmpago cobriam o véu dos óculos
Relâmpagos nos cabelos reuniam a ferrugem carmesim do sol
O céu era preso por uma cola de goma arábica
Pessoas de poucas estrelas se misturavam às paisagens
para navegar nas pálpebras de óculos sem molduras
A cidade guardava seus acervos nos incêndios da memória
– nua como uma terra
Cabelos de relâmpago cobriam o véu dos óculos
Relâmpagos nos cabelos reuniam a ferrugem carmesim do sol
O céu era preso por uma cola de goma arábica
Pessoas de poucas estrelas se misturavam às paisagens
para navegar nas pálpebras de óculos sem molduras
A cidade guardava seus acervos nos incêndios da memória
– nua como uma terra
Cabelos em relampejo cobriam as cortinas da lua
– árida pantera –,
estéril orbe de cabelos infecundos a afundar por treva adentro
– árida pantera –,
estéril orbe de cabelos infecundos a afundar por treva adentro
Anjos do éter traziam suas almas
incendiadas pelos outdoors, de fio a pavio,
as entranhas da noite eram presas por uma cola de goma arábica
incendiadas pelos outdoors, de fio a pavio,
as entranhas da noite eram presas por uma cola de goma arábica
Eram esses supermercados de corações usados,
doces mercados de corações descartados;
Os supermercados do amor estão sempre lotados
doces mercados de corações descartados;
Os supermercados do amor estão sempre lotados
[III]
Era este um mundo sem calmantes e sem troféus
Eram estas esquinas inevitáveis
Era esta uma procissão de Macunaímas dissuadidos
– procissão dos desiludidos no amor
Era este um mundo sem calmantes e sem troféus
Eram estas esquinas inevitáveis
Era esta uma procissão de Macunaímas dissuadidos
– procissão dos desiludidos no amor
Um filme queria rasgar a tela
Peixes eram cobertos por serpentinas envelhecidas
Cigarros também tombavam como folhas mortas
As meninas e suas pélvis eram reguladas por redes
de apanhar borboletas
Peixes eram cobertos por serpentinas envelhecidas
Cigarros também tombavam como folhas mortas
As meninas e suas pélvis eram reguladas por redes
de apanhar borboletas
No mercúrio cromo do mar uma mulher se vestia de avesso
com seu parangolé de navalhas,
carregava sua capa composta
pelo abrigo de outro abismo solar
com seu parangolé de navalhas,
carregava sua capa composta
pelo abrigo de outro abismo solar
Ninfa do cimento desfilava sobre o vórtice da vertigem,
bebia seu Dionísio engarrafado para depois deixar raiar
seu eclipse na mais fina flor
bebia seu Dionísio engarrafado para depois deixar raiar
seu eclipse na mais fina flor
[IV]
Dedos lúcidos percorriam outros azuis,
os olhos possuíam a mesma voragem laminada do tempo,
– este rei pândego iluminado por estrelas do éter,
um deus endomingado de chumbo derretido:
o tempo, lapso e colapso a compor
a chuva imóvel deste nosso tempo
Dedos lúcidos percorriam outros azuis,
os olhos possuíam a mesma voragem laminada do tempo,
– este rei pândego iluminado por estrelas do éter,
um deus endomingado de chumbo derretido:
o tempo, lapso e colapso a compor
a chuva imóvel deste nosso tempo
Ela me fez acreditar no infinito da linguagem
["Razor love" in: Máquina de fazer mar (2016,7Letras); AGC]
terça-feira, 1 de agosto de 2017
Não, talvez o tempo não passe mesmo da palavra tempo
adormecida numa lâmina desmedida
de carnes indizíveis
Branca fosse a página, mais agudo seria o dia,
mais lenta seria a paisagem,
mais amargo seria amar
Aqui as flores são de sangue,
blood flowers,
desconfie das flores
Amantes carregam ímãs voltados para o acaso
dos desencontros, para que a rua noturna
se fixe na placa sensível do dia
Um astronauta advinha o vinho provindo da garganta
a anunciar a próxima primavera convulsa;
dois abismos fabulam entre si
Eva sem treva carrega o tédio dos astronautas em si,
traz a vertigem de um oceano em cada olhar
Seria tudo travessia?
Ainda que nossas peles não fossem exatamente
livros de viagem,
ainda assim,
o caroço morto de uma estrela
renascia e brilhava através da alegria
amarga de um sol
Éramos precários acidentes
Representávamos a menor palavra faiscando
na geometria do olho
Éramos ossos germinando ossos
Éramos sonhos em movimento
Carregávamos escombros de diamantes
Éramos bibliotecas de carne
["Bloodflowers" in: Máquina de fazer mar (7Letras, 2016); AGC]
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