terça-feira, 29 de agosto de 2017

Quando um deus morre, a multidão se pergunta:
para que medir a cidade com passos?
Os pés não têm memórias?

Distraidamente um homem sem sombras carrega
suas paisagens remendadas no bolso, as mastigará
nas primeiras horas de um janeiro qualquer

Homem atravessado por um céu sem nuvens,
levará na sacola toda uma coleção de paisagens subtraídas

Nenhum dia será belo como o sol que se apagará
nos horizontes dos aeroportos e em seguida virá se inflamar
na pista de pouso dos corredores e dos prédios

No dia em que o teto cair qual e tal a maçã de Newton,
aí sim brilharão com a maior das intensidades translúcidas
os corpos translúdicos e seus corações cicatrizados

Um dia, quando este homem estiver dourado de cansaço,
tomará tanto sol que ficará todo iluminado por dentro
e então verá o outro ocidente de haikais
que os barcos vêm trazendo

Aí então, o balé improvável dos astronautas
será composto por formas habitáveis e
pelo sangue coagulado de continentes vicários
– o pós espanto da pós poesia do pós contemporâneo

E os deuses não mais se cansarão de escrever o real

["O homem sem sombra": Máquina de fazer mar (2016, 7Letras, AGC)]

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