sexta-feira, 3 de outubro de 2014

ELEIÇÃO É FESTA POPULAR
















“Eleição é festa popular, e a festa tem certos convidados inconvenientes” – esta foi a declaração do presidente do TRE (Tribunal Regional Eleitoral), Bernard Garcez ao avalizar a candidatura à deputado estadual do Rio de Janeiro com o nome de urna de “Barack Obama”. Sim, as eleições se aproximam no domingo próximo, dia 5 de outubro. Se fôssemos levar a sério tal afirmação dada no mês passado pelo presidente do Tribunal Regional Eleitoral, poderíamos até dizer que no Brasil todos somos meros convidados constrangidos a uma votação obrigatória.
Tão inaudita quanto esta afirmação talvez seja a atingida pela presidente da Petrobrás, a engenheira química Graça Foster, ao declarar ano passado à Folha de São Paulo que se sentia emocionada quando via um engarrafamento pois imaginava que mais pessoas estavam consumindo petróleo. – "Acho lindo engarrafamento pois o meu negócio é vender combustível. Acho lindo carro na rua, estou faturando."...Bom, ao que tudo indica, aparentemente a senhorita Foster não deve ter lido o conto "A auto-estrada do sul" e nem assistido ao filme "Weekend" de Godard que tematizam o pesadelo urbano dos mega-congestionamentos provocados pelos excessos da indústria automobilística.
Vivemos realmente em um país tão chistoso e gracejante que a realidade não chega a esperar seus contornos ficcionais para nos pregar peças. É no mínimo curioso que a ficção não tenha esperado muito tempo para produzir a situação de termos uma presidente de estatal chamada Graça. Nem mesmo Campos de Carvalho a teria imaginado ao escrever o romance surrealista "O púcaro búlgaro" (1964), narrado por um personagem principal chamado Hilário (em referência indireta à Rua Hilário de Gouveia de Copacabana e ao famoso oftalmologista homônimo) sobre uma idiossincrática expedição para descobrir a Bulgária. Nem mesmo Campos de Carvalho imaginaria que um dia teríamos uma presidente em exercício de ascendência búlgara e pronta a ser reeleita.
Mais ficcional ainda parece ter sido a Copa do Mundo em solo brasileiro de Pindorama.  Findada a “Copa das Copas”, ainda permanece um sentimento gerado por um misto de saudade e a impressão de que em “nosso” país o dinheiro que falta para organizar é o mesmo que sobra para desorganizar. Vivemos em um país tão abjeto quanto seus candidatos políticos. Sobram perguntas, faltam respostas. Ainda bem. Se fossemos um país de soluções e planejamentos já não teríamos paradoxalmente o lema positivista em nossa bandeira.
Não deixa de ser curioso o fato de que para o poeta Murilo Mendes o Brasil poder ser descrito como mais surrealista do que todos os surrealistas juntos. Aqui, tradição e modernidade convivem sem dicotomias extremas; aqui gostamos de modernizações conservadoras. Por tal chave, o brasileiro seria tão naturalmente anti-moderno em um momento quanto anti-tradicional em outro instante conseguinte. Isso sem falar na cordialidade recôndita de nossos homens públicos que, ao possuírem a patologia da alegria, também carregam a melancolia de quem não sabe lá muito bem diferenciar o público do privado, a casa da rua. Desde que Grande Otelo bradou macunaimicamente: “Ai, que preguiça!”, em filme de Joaquim Pedro de Andrade sobre a obra supracitada de Mário de Andrade, que vivemos sob a égide da lassidão. De preguiça em preguiça, caminhamos. Melhor a preguiça do que o tempo desenfreado dos progressos destrutivos. A desordem e o progresso nos cai melhor.  
Seria ingênuo pensar que a macro-política brasileira não manifeste os "nossos" valores sociais representados em escala épica. Nosso estilo retórico é bacharelesco e barroco, repleto de circunvoluções e discursos empolados que quanto mais são proferidos, menos mudam; quanto mais mudam, mais permanecem iguais. A arte retórica do bem dizer nos circunda, nossos políticos falam por abstrações. Só mesmo em um país como o Brasil poderia ter figuras políticas de escolas dramáticas tão surpreendentes que foram sintetizadas na figura glauberiana de Paulo Autran "Terra em Transe" (1967), o presidente de Eldorado que personificava um discurso tão eloquente quanto mais pretensamente magnânimo e laureado de ufanismos regozijantes.
Mais tautológicos do que lógicos, caminhamos. Nós e nossos políticos glauberianos.  Sim, as eleições de 2014 se aproximam e para qualquer platéia que quiser o melhor dos anfiteatros circenses é só ligar a sua tele-ilusão com seu descontrole remoto em pleno horário eleitoral. Ainda restam alguns dias e talvez ainda haja segundo round. “Vamos esperar. As melancias ainda vão se assentar no caminhão. A realidade não é um mar de rosas, deve ter segundo turno” – opinou Aparecido Silva, secretário de comunicação do PT-SP antes de ir para outra jornada estafante rumo à Neverland do hibridismo.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

A mais ficcional de todas as Copas (parte 3) (texto publicado primeiramente no site Ornitorrinco)

Como diria meu primo, assim é o futebol, o mais ilógico dos esportes, fundamentado não numa lógica, mas numa mitológica. A precisão cirúrgica não existe no ludopédio bretão e, até por isso, o futebol é o jogo mais surpreendente do planeta. O futebol está mais para o jogo de azar do que para o esporte e, por isso mesmo, é o jogo mais popular do planeta. Por exemplo, quem imaginaria que a Costa Rica seria o primeiro colocado em seu grupo? Ou quem poderia jamais imaginar que a campeã Espanha perderia de 6 a 1, logo em sua primeira partida da Copa.

Bom, mas de qualquer forma, nem o o mais apocalíptico dos críticos do selecionado brasileiro imaginaria um estrondoso 7 a 1 em plena Belo Horizonte e, para um cenário mais insólito ainda, para uma Alemanha trajando cores rubro-negras numa jogada de marketing da marca esportiva germânica da Adidas. Na verdade, a Alemanha só possui o primeiro uniforme fixo na cor branca, a segunda camisa alemã é itinerante e muda a cada Copa. Neste torneio realizado em terra brasilis de Pindorama, talvez o escrete alemânico tenha escolhido pela camisa do clube mais popular do país não so por marketing pessoal, mas também para adicionar mais inesperados contornos ficcionais em um quadro em que a seleção canarinho jogaria contra uma Germânia vestida de Flamengo numa semi-final tão doce quanto limão. O certo é que a hecatombe do 7 a 1 ficará marcada nos anais da História com H, assim como também atormentada historicamente ficará a comissão técnica comandada pelo rio platense Luiz Felipe Scolari. Ainda, para “melhorar”, o Brasil levou outro passeio do selecionado batavo por 3 a 0, com a Holanda jogando contra uma inerte seleção brasileira.

Certa vez ouvi um anedotário popular que dizia que técnico é igual a dono de sauna, já que ambos vivem do suor alheio. Não sei se concordo totalmente com tal afirmação, já que existe, ao menos para mim, a clara diferenciação entre técnicos, incentivadores e estrategistas. Para mim, atualmente, Scolari se localiza no limiar entre o incentivador e o treinador de rachões. De qualquer forma, o fatídico 7 a 1 deixará cicatrizes no renomado futebol nacional, ainda que tal placar dificilmente se repita em uma outra semi-final de Copas do Mundo. Até por isso, pelos seus momentos incertos e fortuitos,  definitivamente o futebol é o mais irracional e imprevisível dos esportes e, por isto mesmo, o mais assitido ao redor do globo.

Sim, a Copa mais ficcional de todos os tempos chegou ao seu final em pleno ano enigmático de 2014. Espero que o que seja lembrado em um torneio mundial como este é que uma nação é reiteradamente composta por uma mistura de lembranças e esquecimentos em comum. Não existe nenhuma nação em si ou nenhuma nação substantiva e unívoca. Sendo assim, o que o nacionalismo mais costuma ensinar aos homens é a ficarem orgulhosos por algo que não fizeram e a odiarem pessoas que nunca encontraram. Nesse sentido, é sempre bom lembrar que, quando os astronautas nos olham de cima, não existem fronteiras bem demarcadas entre um país e outro. Para os astronautas, somos todos mais terráqueos do que terratenentes. É tudo uma questão de perspectiva. Tudo uma questão de manter em aberto as margens ficcionais entre os países constitucionais e os países que se reinventam todos os dias; países cujas únicas fronteiras possíveis são formadas por nuvens. Como bem diria o poeta Cláudio Willer: “Não existem as cidades, são nossas viagens que criam roteiros-mapas de superfícies luminosas. As cidades não existem, só os encontros são reais, as prolongadas conversas capazes de transformar qualquer lugar em praia deserta ao anoitecer”.

Por fim, mas não por último, termino aqui este texto (tão futebolístico quanto mais imaginário) com uma edificante citação do não menos magnífico Radamés Stepanovicinsky, o maior bulgarólogo de todos os tempos que vaticina: “Fim do longo, o inútil assombra. A mesma esperança que não se deu se escombra, prolixa...A vida não passa de um mendigo bêbado que estende a mão à sua própria sombra. Dormimos o universo. A extensa massa da confusão das coisas nos enlaça de sonhos. Enquanto isso, a ébria confluência humana desguarnecida e desabitada ecoa-se, de raça em raça, de deserto em deserto, de escombro em escombro. Somos todos reais, excessiva e inesperadamente reais !”

sexta-feira, 11 de julho de 2014

A MAIS FICCIONAL DE TODAS AS COPAS (PARTE 2)

A tal Copa, aquela que já não está tendo, está perto de chegar ao fim. Sim, a Copa mais ficcional de todas as Copas se encaminha para um enigmático desenlance. Apesar da atmosfera insólita que ronda a Copa que já não teve, alguns jogos foram dignos dos jogos mais reais. Partidas envolvendo seleções como Holanda, Brasil, Alemanha, Chile, Uruguai, França, Costa Rica, Estados Unidos, México, Argentina e outras pareciam realíssimas diante da aturdida multidão da Copa que já não teve. Futebol e fiçção andam entrelaçados pela tal Copa do Mundo FIFA de 2014, a mais insólitas de todas as Copas. Nesta Copa, as representações do real estão, incontornavelmente, atreladas à ficção; a ficção se transformou mesmo na verdadeira Realidade.
Durante este período, talvez o que menos tenha chamado a atenção foram os momentos rasos de normalidade. Até o “renomado” jornalista Mário Sergio Conti aderiu à atmosfera abjeta da duplicidade do real. Ao entrevistar seriamente o sósia do técnico Scolari, Conti talvez tenha rompido com as margens que separam o real e seu duplo. Tal qual no filme fabular “F for Fake” narrado por Orson Welles, as fronteiras que demarcam o orginal e a cópia foram borradas e o que teria sobrado seria um quadro documental do caráter inapreensível do real. Curiosamente, o sósia de Scolari deu respostas mais sensatas e sóbrias do que o próprio. Será que se Conti encontrasse Inri Cristo com suas beatas diria que falou com Jesus ressurecto?
 Outra cena interessantíssima foi a de uma cadeirante que voltou a andar em plena Arena Itaquerão durante jogo da seleção nacional. Isto sem falar nas defesas assombrosas do goleiros Howard, Ochoa e outros. Teve também o poste urinando no cachorro e a banana deglutindo o macaco com a surpreendente seleção da Costa Rica a matar o chamado “grupo da morte” entre Inglaterra, Itália e Uruguai.

Deveras lírico foi toda a metade desta lírica Copa supefaturada que teria custado a bagatela de R$ 28 bilhões de Surreais, sendo, assim, a Copa mais cara da História para uma FIFA que não pagará impostos. Tal qual um circo itinerante que leva sua tenda. Continuamos no plano mitológico dos discursos reais que tendem à ficção. Seguimos pelos traçados das verdades críticas, plásticas e permanentemente instáveis. Esperamos por mais inusitados lirismos de mulheres protegendo o baço para ir no FIFA FANfarronice FESTA, barrigas negativas das musas de plástico. Amor em tempos de cólera. Amor em tempos de Tinder. Explosões químicas a ocorrer por toda parte, por onde quer que novos corpos se entrelaçem.
Mas, e o que seria desta Copa sem a a mordida canibal vanguardista do atacante uruguaio Luis Suárez? Inspirado em Hans Staden, Francis Picabia, Lautréamont e Oswald, o centroavante já tem um histórico eclético em dentadas em adversários: primeiro pelo mitológico Ajax batavo, segundo pela Liga Inglesa por onde jogava Suárez até o momento no beatlemaníaco esquete do Liver/pool. A terceira mordida do vampiro uruguaio veio logo em plena Copa 2014, comprovando que o dianteiro é um personagem reincidente em suas aventuras e, praticamente, um Nosferatu pós-moderno. Em jogo apitado pelo Drácula, quem morde é o Suarez.  No entanto, indiferente às metáforas do espetáculo, a FIFA (bastião de um mundo politicamente correto) resolveu expulsar o centroavante-sensação da Copa de 2014. Ainda assim, há uma festa em seu cérebro. Luisito Suarez sabe que não há genialidade possível sem doses de loucura; doses homeopáticas de loucura. Com diamantes em seus pés e lobos em seus olhos, Luis Suarez é até agora a grande figura desta Copa das Copas.

(To be continued) 
 [texto publicado inicialmente no site Ornitorrinco: ornitorrinco.net.br] http://www.ornitorrinco.net.br/2014/07/a-mais-ficcional-de-todas-as-copas.html

domingo, 22 de junho de 2014

A mais ficcional das Copas (parte 1)

“O homem é o único animal que inventa dificuldades para si mesmo, sejam goleiros, zagueiros ou obstáculos” vaticinou o publicitário magnânimo José Zaragoza. Sim, ruas de fogo e ruas de protestos. Está dada a largada para a Copa do Mundo 2014. Este é um texto ficcional sobre a mais ficcional das Copas. Ao contrário do que muitos possam pensar, ficcional não quer dizer mentira ou falácia; apenas a ficção possui outro registro de fala mais próximo de uma mitológica do que de uma lógica. Estamos no registro dos mitos fabulares que saltam e explodem aos olhos de quem pensa que vê. Apaguem as luzes e liguem os holofotes, corações quebrados darão lugar ao maior espetáculo futebolístico do planeta.

Para muitos já não teve Copa, para outros vai ter Festa. O Brasil é o nosso grande abrigo abismo. De repente é aquela corrente fluente que ruma para afluentes fortuitos por onde surgem estádios futuristas brotando do chão. Tudo à la José Agrippino de Paula; nada mais, nada menos. Nos gramados virtuais da linguagem é que surge a felicidade feroz dos deuses léxicos que alimentam as chuvas dos dicionários. O futebol surge dos escombros de nossos desejos; cada drible pode inaugurar uma nova amplidão. Do complexo de vira-lata à pátria de chuteiras, caminhamos. Nós e nossos inconstantes dinamismos vitais. Transversalidades abertas pela escrita. Corpos se movimentam por mudanças. Até parece que todo o Brasil deu a mão, só que contra a FIFA.

O ritual de abertura da Copa realizado no Itaquerão foi, no mínimo, grotesco. A música “We are one” (cantada por Jennifer Lopez, chamada pelos americanos de “J.Lo”, Cláudia Milk e Pittbull) bem poderia se chamar “We are none”. O espetáculo performático foi dirigido por uma belga chamada Daphne Cornez sob a tutela do TVFIFA.

O que se podia ver televisionado era um horror show dos exotismos mais descartáveis: um globo terrestre gigante em formato de globo de pista de dança, um índio remando num caiaque imaginário sendo carregado por eunucos de azul, homens de perna de pau, homens jogando capoeira, homens vestidos de grama rodando em looping, homens travestidos de árvores, mulheres vestidas de flor a simbolizar a chuva desabrochando, avatares amazônicos, homens sentados trancafiados em bolas de futebol circundantes, bailarinas alucinógenas de rosa choque, homens pintados trajando azuis de kitschs mais bufantes.

 O genial Eugênio Ionesco, especialista na arte do absurdo no pior dos piores de seus dias de cólera não teria imaginado uma cena tão insossamente catastófrica. O franco romeno Ionesco, aliás, era especialista na arte de mostrar o quanto o ser humano é, em essência, impalpável e absurdo. O absurdo de Ionesco é um absurdo refinado em comparação com o show de abertura da Copa brasileira e todo o superfaturamento exultante referente aos estádios que foram costruídos para se adequarem ao padrão FIFA. O problema é que, se depender da FIFA e de seus padrões, estaremos todos fadados a termos nossos imaginários colonizados por tristes aldeias globais e, anestesiadamente, multiculturais. Ao que depender do mainstream FIFA o mundo terá esta noção pasteurizada de um país a carregar um exotismo a cada milésimo de segundo.

Provavelmente, nos próximos séculos, muitos escafandristas da História com H escreverão sobre a Copa que, teve e que não teve, no distante ano de 2014. Espero que tais escafandristas (mergulhadores de ruínas vivas) se lembrem das longas terras de índios ferozes sem Idílios, índios de terras faladas de estranhas divindades e brutas chuvas; índios de inconstantes almas selvagens que não se deixam escravizar.

[texto publicado inicialmente no site Ornitorrinco: ornitorrinco.net.br]www.ornitorrinco.net.br/2014/06/a-mais-ficcional-das-copas-parte-1.html


terça-feira, 13 de maio de 2014

o menino experimental (murilo mendes, nascido em um 13 de maio)


O menino experimental come as nádegas da avó e atira os ossos ao cachorro.
*
O menino experimental (...) devora o livro e soletra o serrote.
*
O menino experimental não anda nas nuvens. Sabe escolher seus objetos. Adora a corda, o revólver, a tesoura, o martelo, o serrote, a torquês. Dança com eles. Conversa-os.
*
O menino experimental ateia fogo ao santuário para testar a competência dos bombeiros.
*
O menino experimental, declarando superado o manual de 1962, corrige o professor de fenomenologia.
*
O menino experimental confessa-se ateu e à-toa.
*
O menino experimental é desmamado no primeiro dia. Despreza Rômulo e Remo. Acha a loba uma galinha. No tempo do oco pré-natal gritava: “Champagne, mamãe! Depressa!”
*
O menino experimental decreta a alienação de Aristóteles. Expulsa-o da sua zona, só com a roupa do corpo e amordaçado.
*
O menino experimental repele as propostas da prima de dezoito anos chamando-a de bisavó.
*
O menino experimental escondendo os pincéis do pintor e trancando-o no vaso sanitário, obriga-o a fundar a pop art, única saída do impasse.
*
O menino experimental ensina a Vamp a amar. Dorme com o radar debaixo da cama.
*
O menino experimental, dos animais só admite o tigre e o piloto do bombardeio. Deixa o cão mesmo feroz e o piloto civil às pulgas.
*
O menino experimental benze o relâmpago.
*
O menino experimental antefilma o acontecimento agressivo, o Apocalipse, fato do dia.
*
O menino experimental festeja seu terceiro aniversário convidando Jean Genet e Sofia Loren para jantar. Espetados na mesa três punhais acesos.
*
O menino experimental despede a televisão, “brinquedo para analfabetos, surdos, mudos, doentes, antinietzsches, padres, podres, croulants”.
*
O menino experimental atira uma granada em forma de falo na mãe de Cristóvão Colombo, sepultado nas Américas.

[Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro, Editora Nova  Aguilar, 1994]

quinta-feira, 17 de abril de 2014

(a travessia épica de uma equipe e de uma cidade)

"O Brasil é grande, mas ITU é maior", costumam proferir seus habitantes. Aqui 1 crônica que acabo de escrever para o instigante site Ornitorrinco sobre o mais surpreendente dos surpreendentes campeões do ano de 2014: o Galo de Itu; a travessia épica de uma equipe e de uma cidade.  Com o tempo de Cronos ao seu favor, o ITUano (galináceo do interior) foi a mais grata surpresa do início do enigmático ano de 2014. Mesmo com todos os absurdos superfaturamentos que a Copa do Mundo nos tem proporcionado, a alegria ainda parece ser a prova dos 9.
Aqui o link para o texto:
www.ornitorrinco.net.br/2014/04/de-itu-para-o-mundo.html



domingo, 26 de janeiro de 2014

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

índios, futebóis & afins

Nunca fui muito de blog, mas resolvi me comprometer a escrever ao menos 1 vez por mês
para ver no que dava. Em ano de Copa do Mundo em nosso território & final no Rio seria quase impossível ficar impassível diante de tanta coisa acontecendo ao redor; ainda + eu gostando do ludopédio bretão. Bom, ainda sobre nomes indígenas, aqui vai 1 lista com jogadores de nomes de origens indígenas: Peri, Tupãzinho, Índio, Aimoré, Muricy, mas devem haver  muitos outros. Também estava pensando que temos 1 vasta zoologia/animália de jogadores com nomes de animais no futebol de Pindorama: Aranha, Alexandre Pato, Rodrigo Tiuí, Cláudio e Régis Pittbull, Donizete Pantera, Neto Coruja, Flávio Caça-Rato, Rafael Ratão. Eduardo Ratinho, Mosquito, Bruno Sabiá, Júnior Urso, Paulo Henriques Ganso e outros. O que + me intrigou refletindo sobre o Gavião Kyikatejê foi descobrir que Itaú é também 1 nome indígena. Enfim, pesquisando + descobri reportagens sobre os Kyikatejê que mostram que quando entra em campo, com os corpos pintados com o rubro urucum e o preto genipapo, representa os cerca de 15 mil indígenas do Pará, que perfazem 1 parcela de 0,20 % da população do Estado; a média brasileira de indígenas deve assemelhar-se. Desde a chegada de Pedro Álvares Cabral à terra de Santa Cruz, que o presidente Kyikatejê, Zeca Gavião, chama de invasão, o povo nativo tem sofrido toda sorte de infortúnios. Sua meta é invadir a brasilidade representativa do futebol e mostrar que a cultura indígena ainda agoniza, mas tem sua voz. Além da etnia Gavião, a equipe recebe índios Kajapó, Xikrim, Karajá, entre outros. Viajarei literalmente/geograficamente, mas no meio da semana que vem estarei de novo escrevendo aqui sobre futebol & afins.




Gavião Kyikatejê

Saiu semana passada na mídia impressa a estória & história de 1 time indígena do Pará que é a primeira equipe/agremiação indígena a chegar à primeira divisão de um estadual no Brasil. Resolvi pesquisar elogo me lembrei do Guarani de Campinas que tem como índio 1 de seus mascotes e o Colo-Colo do Chile possui 1 cacique em seu escudo; também o nome Maracanã é indígena; o Washington Redskins de futebol americano também tem 1 cacique como símbolo em um país em que o lema já foi "índio bom é índio morto"; completam a lista da NFL o Atlanta Braves e o Cleveland Indians. Também existem os gaúchos Guarani de Bagé e o Aimoré de São Leopoldo. No entanto, tais referências indígenas esportivas são pouquíssimas para 1 continente que foi colonizado por europeus que dizimaram nossos habitantes ancestrais americanos. Mesmo assim, não deixa de ser interessante o caso ocorrido no Pará. O nome do time formado por uma tribo é Gavião Kyikatejê, agremiação responsável por 1 mar de lembranças sobre como os índios deveriam ter sido melhores integrados (ou no mínimo respeitados) pela sociedade brasileira. A empreitada no Pará surgiu em 2009 com o intuito, segundo Zeca Gavião (presidente), de promover ' inclusão pela prática do esporte, fazendo com que a tribo Kyikatejê – no distrito de Bom Jesus do Tocantins, distante cerca de 580 quilômetros de Belém – experimentasse o ludopédio bretão. O elenco da equipe é formado agora de só 4 jogadores de origens indígenas que jogam pintados e caracterizados, como o meio-campo Waitwai e o atacante artilheiro Aru que veste um cocar. Um zagueiro do time chamado Max Melo contou que foi integrado ao time aprendendo práticas indígenas com seus companheiros, como a caça. O clube Gavião Kyikatejê localiza-se na aldeia homônima, cujo nome significa "povo do rio acima". A denominação gavião vem das penas da ave usada em suas flechas. Em pleno século XXI, o clube propõe-se a propagar sua cultura. Bela história em um continente devastado. Na torcida do Gavião há uma incomum inversão estrutural em um esporte ainda machista como o futebol: são as torcedoras indígenas que gritam e entoam gritos enquanto os homens ficam mais contidos e mais tensos. Apenas 3 jogadores moram na aldeia perto de Marabá. Mas alguns até casaram com indígenas e já foram integrados à tribo.Se formos pensar também muitos nomes comuns em nossa cultura pertencem à tradição indígena, como: Anchieta, Cauã, Cauby, Iberê, Ubirajara, Moacir, Muricy, Peri, Raoni, Ubiratã. Aracy, Iara, Inaiá, Iracema, Ivair, Itaú, Jacira, Janaína, Jandira, Jandir, Juçara, Jurema, Maiara, Maíra, Moema, Tainá. Sobrenomes como: Bocaiúva, Capanema, Guará, Guaraná, Ipanema, Ipiranga, Jaguaribe, Jatobá, Juruna, Macunaíma (aquele que trabalha durante a noite), Maranhão, Murici, Oiticica, Paranaguá, Paraguaçú, Pirajá, Pirassununga, Pitanga, Raoni (grande guerreiro), Rudá (divindade do amor), Saraíba, Tabajara, Tapajós, Tupã (progenitor), Tupinambá, Ubiraci, Ubirajara (senhor da lança). Na cultura norte-americana também há resquícios como Dakota (nome de um estado estadounidense que significa "amigo" em cultura indígena). A fugitiva e solvente moral da história, aqui, no caso do Gavião Kyikatejê é que o projeto iniciou-se como um meio de integração dos índios à sociedade "civilizada" dos brasileiros e, agora, com o sucesso esportivo, virou 1 meio de divulgação da cultura indígena futebolisticamente; ao menos é isso que pretende o presidente indígena do clube chamado Zeca Gavião. It's wait and see. Aqui informações para antropólogos e afins: os Kyikatejê-gavião são 1 povo indígena do grupo Gavião do Oeste cuja língua é o timbira oriental da família Jê. Também são conhecidos como "Koykateyê" e "Gavião Kyikatejê".Em 2010 perfaziam aproximadamente 320 índios que viviam na terra indígena Mãe Maria. Uma de suas maiores tradições é a corrida de toras: as equipes de revezamento (formada somente por homens), carregam troncos de buriti nos ombros. O mais importante não é quem chega primeiro, o que vale mais é o divertimento. A comemoração é maior quando as equipes chegam juntas ou quase juntas. Em 2013 ocorreu a proposta governamental de criação de 1 seleção indígena nacional. Acho 1 pouco ufanista, mas pode ter efeitos midiáticos da causa e certamente o artilheiro Aru do Gavião Kyikatejê seria nossa maior estrela...Vale a pena observar os métodos pouco ortodoxos de preparação na tribo da equipe: corrida com toras por quilômetros de distância e a caçada ajudam a criar resistência nos jogadores. Para aprimorar os reflexos um membro da comissão é equipado com arco e flecha. O técnico atira as flechas e, meio no susto e reflexo, os jogadores têm de desviar. Na ponta da flecha amarra-se a imbira para diminuir a contundência. Este é um excelente preparo de goleiros. Se algum jogador conseguir desviar das 5 flechas assume o lugar de quem estava atirando. O segredo aí é ficar de lado para tentar desviar e ter velocidade o suficiente, garante Zeca Gavião. Isto sim é pré-temporada! Não sou antropólogo radical ao ponto de pensar que índio modernizado jogando futebol não é mais índio; a cultura, a meu ver, pode ser mantida contanto que constantemente realimentada. Somente a vestimenta não garante o ritual. É preciso ter um élan vital, um mana, algo encarnado.






quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Dia búlgaro da epifania






Em grego epifania significa "manifestação" e para os cristãos refere-se ao momento em que Cristo, nascido dias antes, se manifesta e se revela aos Reis Magos, vindos do Oriente. Anteontem cristãos ortodoxos búlgaros enfrentaram o frio do inverno búlgaro para dançar nas águas geladas do Rio Tundzha em Kalofer. Tudo em nome da tradição: no chamado Dia da Epifania. Um padre joga uma cruz dentro do rio. Acredita-se que aquele que a encontrar terá saúde durante todo o ano que se inicia. Também há uma ligação intrínseca com o batismo e, na Bulgária, celebra-se também a bandeira de tão insólito país. Aqui, belas fotos (não menos fantásticas) do evento. Desejamos atrasado 1 bom Dia da Epifania para búlgaros e búlgaras pequeno notáveis tais como Radamés Stepanovicinsky, Tzvetan Todorov, Histo Stoichkov, Julia Kristeva, Brigitta Bulgari, o pirotécnico Letchkov, Dilma Rousseff e tantos e tantos outros que aqui não caberiam. Que todos os dias sejam epifânicos na Bulgária!


quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

“Fui à Bulgária procurar Campos de Carvalho”, por Radamés Stepanovicinsky



“Fui à Bulgária procurar Campos de Carvalho”, 
por Radamés Stepanovicinsky 

Este não é um romance adocicado para carpideiras de plantão. Sob a chuva imóvel deste nosso tempo, o escritor Augusto Guimaraens Cavalcanti (e também seus muitos outros tantos “eus”) resolveu visitar as mais insólitas paisagens nunca dantes imaginadas; sua expedição geográfica-existencial é personificada pelo misterioso nome “Bulgária”. O nome do livro é “Fui à Bulgária procurar por Campos de Carvalho” (7Letras, 2012), que chega agora à sua segunda edição em 2013. Em um artigo crítico sobre tal livro aqui referido, José Castello preferiu, antes de proferir textualmente suas palavras, certificar-se de que a lua não iria cair-lhe bem no meio da cabeça. Depois de tal compreensível certificação, Castello escreveu que a queda da Lua sobre a terra, apesar da força gravitacional que a sustenta, é uma hipótese que ainda se apóia na fertilidade dos mitos. De tanto sobreviver a naufrágios, o ser humano, este ser da ficção, eterno sonhador e construtor, cria e recria a todos instantes muitas verdades em estado latente. Não, o mar não têm cabelos por onde se segurar, por isso mesmo é bom saber que o maior naufrágio seria não partir. Partamos novamente para a Bulgária através de “Fui à Bulgária”: trata-se de um livro potencialmente intertextual e construído por invenções em ruínas de construções. Aqui o chão é flutuante e as aspas entram em estado festivo de decomposição; aqui o chão mais parece uma cratera lunar pronta para ser pisada e repisada pelos mais diferentes tipos de lunáticos que quiserem ler tal livro. Portariam os búlgaros a sombra do mundo? Viria mesmo a Lua da Ásia? A Ásia da Lua? Seria a Bulgária um país para além dos espelhos?
Bulgária, terra de alusões. Seriam os búlgaros pessoas-aves ou seres tão sensíveis, delicados e acidentais quanto os cronópios de Júlio Cortázar? O que me parece mais auspicioso neste “Fui à Bulgária” é que a cidade de Sófia é uma das personagens principais da aventura, junto com Campos de Carvalho, aquele que substancializou o ocasional, o criador de praticamente todo mistério búlgaro do século XX. Também a realidade táctil e visível deste livro é composta com ajuda de Histo Stoichkov, o atacante búlgaro que, na Copa de 94, vestia o número 8 a encarnar e representar o símbolo do infinito; assim como infinito também parece ser o desejo búlgaro de que tal país seja, finalmente e definitivamente, reconhecido mundialmente como uma ferida que acaba de cicatrizar com a ajuda de novos mapas e das mais recentes cartas de navegação.  Desafiamos a lógica a cada dia que acordamos. Em pleno século XIX, o Brasil é governado pela filha de um búlgaro. Também arquéologos contemporâneos britânicos descobriram, financiados pela National Geographic, fósseis búlgaros que são, aparentemente, os mais antigos de todo o continente Europeu. Portanto, Campos de Carvalho estava certo. Agora nós temos uma situação simetricamente oposta; agora a questão talvez se inverta: quem não existe são eles, a maioria de todos os europeusNo dia em que aterrissar em Sófia, Campos se o primeiro astronauta realmente lunático a chegar finalmente na Lua e embaralhar sua geografia. 
Como narra um tal bulgarósofo em “Fui à Bulgária”: “Pouco importava a Campos de Carvalho que o tal púcaro búlgaro pudesse ser um monstro aos olhos dos chamados lógicos: sem Bulgária alguma para procurar, talvez a vida lhe escorresse tal chuva em capa escorregadia, sem ensopar e encharcar suas ideias e suas imagens. Para navegar um país tão escorregadio eria preciso muito mais do que uma capa de chuva.” Campos estava certo. Segundo ele, qualquer possível solução sobre a existência da Bulgária deveria chegar a um termo até o início do século XXI, época em que certamente o mundo não faria mais sentido; não para a maioria das pessoas do século passado. No entanto, não é que agora a realidade tenha ultrapassado a ficção: ambas, real e ficção, sempre foram vasos comunicantes com asas parecidas com as do tal púcaro búlgaro. O Oriente talvez seja uma ilusão de perspectiva; tendo a outra parte do mundo como ponto de referência, os orientais seríamos nós. Mas como somos guiados por mapas em que a Europa gravita no centro do mundo, então os orientais são os outros. Nós, os bulgarólogos, talvez sejamos desorientais, mas desorientados jamais.
Estamos ainda no presente do presente a caminho de um descobrimento em carne viva ou, ao menos no sentido filosófico do termo, algo assim como desbravadores de pensamentos que não precisem mais sair de suas camas para reescreverem a História com H a partir de estórias e histórias com “h” minúsculo. Continua sendo deixado em aberto a possibilidade de nenhum GPS ou mapa conseguir localizar a Bulgária verdadeira. Tal território tem nos reiteradamente comprovado, ao longo do tempo, que a melhor forma de aproximação, em se tratando do caso búlgaro, é pela Busca. A Bulgária de Campos de Carvalho é uma terra de insones, lugar sem beira ou borda e que se recusa a caber dentro de um só espelho. Por carregar uma geografia tão distante e com tantas realidades latentes, a Bulgária de Augusto também pode ser entrevista em um país a brilhar na infância da linguagem, como um descobrimento tão mais estranho, quanto real. Na realidade, toda navegação nasce de um sobressalto: a falta de bordas e margens por onde se ancorar só comprova que nada pode ser estático no mar. Por isso, para além de qualquer pretensa leveza, uma narrativa de viagem deve lidar, logo de saída, com tal vertigem intrínseca que a ciência oficial cheirando a naftalina está cansada de conhecer. O mais importante a saber parece ser que: tudo que podemos nomear já não pode nos ferir, não como antes. 
Nascido no século XVIII e vivente do XIX, Xavier de Maistre foi o primeiro Julio Verne ao avesso que, ao escrever Viagem ao redor do meu quarto e, sua continuação, Expedição noturna ao redor do meu quarto, tornou-se o primeiro lunático a descobrir um tipo de viagem intrínsecamente territorial/mental. Já no século XX, Campos adotou os ensinamentos de Maistre e compôs (em diálogo intertextual) O púcaro búlgaro, livro que redescobre os sentidos modernos do termo viagem, descoberta e deslocamento geográfico/mental. Por sua vez, em “Fui à Bulgária”, do século XXI, o que parece haver é uma conversa intermitente entre bulgarósofos e bulgarólogos discutindo sobre a inexistência da Bulgária e até do próprio ser humano como entendido pela lógica humanista e positivista. Os mapas prévios organizadores podem ficar bem pregados nas paredes descacadas. Quiçá, o novelo de um mundo pode ser desenrolado quando menos se esperar, É certo que uma Bulgária que não saiba articular o sonho e o possível não será jamais um país digno deste nome, ali onde todo fim seja também um ininterrupto recomeço. 
 Talvez as datas não contabilizem os dias, mas os escondam ainda mais. Sabemos que, por exemplo, os céus já não cabem nos planetários. Mas, tal qual a pálida conquista da Lua, tudo só fará sentido se for televisionado; sem câmera não haverá mito. Um homem está chegando à Lua, porém há mais de vinte séculos um poeta já sabia dos feitiços capazes de fazer a Lua descer até a Terra. Qual seria, no fundo, a diferença? Incansáveis buscadores continuam explorando árduos princípios rumo à alguma Bulgária nesse imenso jogo de xadrez a representar o universo manifestado. Inúmeros são os que ainda acreditam que um outro tipo de descoberta ainda virá, até mesmo que livros e livros tentem implementar algum tipo de tédio que reduza muitos mundos a meros espaços temporais. E não será com álgebra ou com Revolução Francesa que se resolverão os problemas do mundo. Procuremos não rotular Sófia ou a Bulgária como droga de farmacêutico. Procuremos pensar nas palavras como algo além do que meras moedas de troca. É chegada a hora das histórias que corrompem estruturas, mas também as erguem.
Na realidade, quem jamais se questionou sobre a própria existência terá a maior das dificuldades em conceber muitas ou, ao menos, uma Bulgária. Um dia nossa felicidade ainda há de ser mais cólera do que amor de beata. Quem sabe o maior sentido de uma ou de várias Bulgárias já não possa ser descoberto, já que os descobridores andam fora de moda, ma sim reinventados ou recriados: neste mundo conturbado de hoje, somente os que criam parecem encontrar algo. Por exemplo, cada fio do meu cabelo representa um tipo de verdade diferente. O umbigo do mundo; construção e acaso; construções em ruínas de construções. Talvez os búlgaros não falem os mitos, mas sejam os mitos que falem através deles. Muitos são os bulgarólogos que defendem que sempre quem viaja são os outros, e não aqueles que naufragam em navios, aviões ou automóveis; quem viaja realmente é quem fica. Por isso, os bulgarólogos viajantes costumam presentear os turistas que voltam de seus amargos deslocamentos geográficos. 
 Há algo de podre no reino da Dinamarca, mas ninguém jamais imaginou que a Dinamarca fosse tão grande. Fomos expulsos do centro do mundo e agora o procuramos em qualquer tipo de labirinto. Aqui as aspas entram novamente em um estado festivo de decomposição. Lembremos que o verdadeiro contemporâneo é sempre um tempo por vir. Nem o mais banal dos banais é tão ordinário quanto parece ser; às vezes, quanto mais banal, mais estranho. Bulgária: arquipélago errante, filha do quase acontecimento, espinha entalada na goela da História, flor ébria de peso, arqueologia de um presente mais que contemporâneo.