segunda-feira, 4 de junho de 2012

this is it




Como me disse ontem o Chacal: “O Michael não pode morrer, pois ele é um desenho animado. Imagina se o Pernalonga morresse?” Pois é, agora os desenhos animados explodem a tela e adentram nossa própria pele através dos estragos de lua desse menino vítima do POP. De que lua falava Michael? A lua do poema ou a lua desastrada dos astronautas? Nesse momento M.J se auto-implode como um encenador de si próprio, this is it. Como um continente perdido na beira da casca de um ovo, exterminador do futuro vazando milagres. M.J, você se perdeu no deserto de fotos envelhecidas antes do tempo, só te resta agora esta saudade de futuro, passos de escuro e pistas lunares, this is it. Nada te salva te salvará dos estilhaços deste instantâneo instante, desta saudade de tudo que ainda se resta para viver. Heróis ainda apodrecem no vento de carne. Pessoas abrem seus guarda-chuvas, mas a chuva não as guardam, o veneno que assalta é um mel vazando massacre, this is it. Saudemos agora esse nosso Macunaíma ao avesso. Jackson foi o último dândi da história, andrógino anjo exterminado pela multidão anônima, sangue pisado nos estilhaços da calçada da lama. Nunca mais luvas de lantejoulas prateadas e casacos de remotas purpurinas douradas, nunca mais girassóis na lapela, nunca mais. Os pés andam sozinhos. Ambulâncias ainda correm pelo pôr-do-sol tragado pelos anjos da cidade. Cidades de anjos são traçadas, mas os arquitetos regurgitam gotas de nuvem. Se Oscar Wilde declarava que uma reforma na maneira de se vestir era muito mais importante do que a reforma da religião, o delicado exibicionismo de Michael tinha um alvo certo: a dança. Jackson esclarece: “Eu me torno as estrelas e a lua. Eu me torno o amante e o amado. Eu me torno o vencedor e o vencido. Eu me torno o senhor e o escravo. Eu me torno o cantor e a canção. Eu me torno o conhecedor e o conhecido. Eu continuo dançando e dançando e dançando, até que haja apenas.....a dança”. Agora já é tarde demais para se morrer. 

domingo, 3 de junho de 2012

O homem sem sombras (fragmentos de 3 poemas inéditos publicados na revista Coyote n.23).

                                                                     .
Mar germinado, tonto e sensual, como um novo continente de tonturas tombadas pelo chão. Delírios maquinais do mar. O mar não tem cabelos por onde se segurar, não tem. Por isso toda navegação nasce do espanto. O dessassossego da falta de bordas, suas fronteiras flutuantes e ilhas oscilantes, nada pode ser estático no mar. Por isso todo descobridor é também um navegador ondulante, flutua por onde se deveria afundar, sobrenada e reluz das entranhas do mar, submerge das vísceras do fundo. Toda navegação nasce do espanto.  O mar não tem cabelos por onde se segurar, não tem.
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Somos todos tripulantes de uma calcinação clara e brilhante, até os pássaros nadam neste mar suspenso. Asas incham em nossos corpos, esfolando as nuvens desta manhã. Um amor de ferimentos sutis vai sendo construído na cidade sem luas, sem nomes e sem datas. Um amor suave como os vidros que sobraram dos transbordamentos pelos oceanos da avenida principal. Como barcos fora de equilíbrio, alagamentos de ilhas, inundações de estátuas, livros sobre o peito, um homem sem sombra reaprendendo a nadar, retraído como um tigre, seus navios caseiros estão prontos para navegar pelas calçadas. A elegância dos acidentes nos surge como uma forma de equilíbrio, como vulcões que se refletem nas palavras sem dicionários, como pregos a perfurar horizontes, garras cravando seus mergulhos no ar. Como sementes de pavimentação, luas de látex, como venenos de veludo invertendo as nascentes do sol. Asas de navalha nos crescem por de dentro da pele. Nós nascemos.
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E para que medir a cidade com os passos? A cidade não se mede com mapas, mas sim através de olhos castanhamente abertos como duas plumas sobrevoando qualquer deserto. Ruas brotam dos quartos. Os zeros são só para disfarçar. Homens transparentes saem todos os dias das trevas do metrô em busca de luz: os humilhados dos parques com os seus jornais, esses alguéns que limpam diariamente os porões escuros das luminosidades. Distraidamente, um homem sem sombra carrega suas paisagens furtadas nos bolsos, as mastigará nas primeiras horas de um janeiro qualquer, sem um reflexo a mais a lhe perturbar ou a lhe pesar, é que talvez quem está no escuro brilhe mais.
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Nenhum dia é belo como a noite é bela, como o sol que se apaga nos horizontes dos aeroportos e em seguida vem se inflamar na pista de pouso dos corredores e dos prédios. Sol incendiado nas avenidas adormecidas, transportado pelas correntezas até as nossas casas. A noite é tão bonita como o dia escurecendo horizontes só para depois submergir nas salas de voo, nestas possibilidades latentes trazidas pelas correntes, com suas marés de anis distantes faiscando na alma de um homem sem sombra, homem da máscara despida no meio da mais remota das praças. Ausente, sem máscara do refúgio, homem azul atravessando pontes, levando em sua sacola toda sua coleção de paisagens roubadas.
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Talvez nem os céus caibam nos planetários. Talvez as pernas recolham seus próprios passos, talvez as luas mais precárias sejam aquela que paire bem longe da tristeza dos felizes.Sem câmera não há mito. Daqueles dias só nos sobram as nossas cascas, nossos apartamento de chuva, nossos poemas engarrafados por carros congestionados lançados aos oceanos contaminados de asfalto. As pessoas aprisionadas nas fotografias até pareciam reais. Mas como explicar a explosão de uma estrela?
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isto não é uma antologia


“A van guarda e leva o passageiro” (Bruna Beber)



Poetas enclausurados em suas ilhas mandavam piscadelas para a crítica. Jornais tomavam como dado uma suposta “geração OO” em poesia, como quem procurasse o que dois zeros somados poderiam significar. Enquanto isso, em todo momento meu primo dizia: “contar com a posteridade é como contar com a polícia.” Enquanto isso não paravam de vir ao mundo os supermercados de antologias. Pavões se pavoneavam pela chuva de outros cabelos. Alpinistas sociais se apressavam. A realidade era patrocinada por deuses em pó. Do outro lado, nós nem notávamos toda essa bradaria. As etiquetas já não faziam sentido nenhum. Na aspereza de um móbile moldávamos a nossa sintaxe de neons. No véu dos olhos, nos luminosos apagados, nas lágrimas de um ar condicionado. Guardávamos tanta beleza dentro de nós que ainda tínhamos combustível suficiente para no mínimo mais algumas inflamáveis eternidades. Éramos astronautas percorrendo o meio-fio. A galáxia era só uma moldura. Ipanema brilhava de noite. O céu invadia os planetários. Bandeira até dançava um fox-trot.

AmorBagdá


Com suas plumas e pedras, um canibal correu para sua tribo a anunciar que tinham capturado um soldado norte-americano. “Bom”, disse um dos canibais entusiasticamente, “eu sempre quis provar um hambúrguer de conversa fiada”. O entretenimento dos bárbaros é ver bombas caindo em uma matemática celestial. Na cidade que já foi luz, a multidão já começa a se derreter. De repente estrelas descem do teto. Cidades não são meramente geográficas, os tigres transbordam seus rios. Tigres costumam pular antes de olhar. Mas, seria possível etiquetar um tigre? Quantos deuses podem dançar na direção de uma bússola? Qual o vermelho que saiu do ovo?
Em tua pré-islâmica urbanização circular ainda pulsa a Mesopotâmia e seus palácios das flores. Como uma oração de cicatrizes, Bagdá se ascenderá em cada ressaca de futuro que houver, em cada descampado, em cada máquina espiritual, em cada instantâneo pó. Assim como um poste sabe como acender, e um peixe sabe como boiar, e uma criança sabe como atear fogo no útero da mãe, Bagdá continuará respirando em coma. Porque do caos é que se inventam as estrelas. Cidades caem, mas permanecem as flores. Primaveras crescem por si só.