domingo, 3 de junho de 2012

O homem sem sombras (fragmentos de 3 poemas inéditos publicados na revista Coyote n.23).

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Mar germinado, tonto e sensual, como um novo continente de tonturas tombadas pelo chão. Delírios maquinais do mar. O mar não tem cabelos por onde se segurar, não tem. Por isso toda navegação nasce do espanto. O dessassossego da falta de bordas, suas fronteiras flutuantes e ilhas oscilantes, nada pode ser estático no mar. Por isso todo descobridor é também um navegador ondulante, flutua por onde se deveria afundar, sobrenada e reluz das entranhas do mar, submerge das vísceras do fundo. Toda navegação nasce do espanto.  O mar não tem cabelos por onde se segurar, não tem.
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Somos todos tripulantes de uma calcinação clara e brilhante, até os pássaros nadam neste mar suspenso. Asas incham em nossos corpos, esfolando as nuvens desta manhã. Um amor de ferimentos sutis vai sendo construído na cidade sem luas, sem nomes e sem datas. Um amor suave como os vidros que sobraram dos transbordamentos pelos oceanos da avenida principal. Como barcos fora de equilíbrio, alagamentos de ilhas, inundações de estátuas, livros sobre o peito, um homem sem sombra reaprendendo a nadar, retraído como um tigre, seus navios caseiros estão prontos para navegar pelas calçadas. A elegância dos acidentes nos surge como uma forma de equilíbrio, como vulcões que se refletem nas palavras sem dicionários, como pregos a perfurar horizontes, garras cravando seus mergulhos no ar. Como sementes de pavimentação, luas de látex, como venenos de veludo invertendo as nascentes do sol. Asas de navalha nos crescem por de dentro da pele. Nós nascemos.
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E para que medir a cidade com os passos? A cidade não se mede com mapas, mas sim através de olhos castanhamente abertos como duas plumas sobrevoando qualquer deserto. Ruas brotam dos quartos. Os zeros são só para disfarçar. Homens transparentes saem todos os dias das trevas do metrô em busca de luz: os humilhados dos parques com os seus jornais, esses alguéns que limpam diariamente os porões escuros das luminosidades. Distraidamente, um homem sem sombra carrega suas paisagens furtadas nos bolsos, as mastigará nas primeiras horas de um janeiro qualquer, sem um reflexo a mais a lhe perturbar ou a lhe pesar, é que talvez quem está no escuro brilhe mais.
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Nenhum dia é belo como a noite é bela, como o sol que se apaga nos horizontes dos aeroportos e em seguida vem se inflamar na pista de pouso dos corredores e dos prédios. Sol incendiado nas avenidas adormecidas, transportado pelas correntezas até as nossas casas. A noite é tão bonita como o dia escurecendo horizontes só para depois submergir nas salas de voo, nestas possibilidades latentes trazidas pelas correntes, com suas marés de anis distantes faiscando na alma de um homem sem sombra, homem da máscara despida no meio da mais remota das praças. Ausente, sem máscara do refúgio, homem azul atravessando pontes, levando em sua sacola toda sua coleção de paisagens roubadas.
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Talvez nem os céus caibam nos planetários. Talvez as pernas recolham seus próprios passos, talvez as luas mais precárias sejam aquela que paire bem longe da tristeza dos felizes.Sem câmera não há mito. Daqueles dias só nos sobram as nossas cascas, nossos apartamento de chuva, nossos poemas engarrafados por carros congestionados lançados aos oceanos contaminados de asfalto. As pessoas aprisionadas nas fotografias até pareciam reais. Mas como explicar a explosão de uma estrela?
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