segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Paranoia com brócolis 2

Paranoia com brócolis 2

Abutres simpáticos te bicam o fígado, abutres com brócolis. Abutres rasgam as madrugadas, mais atraentes do que qualquer novidade. Abutres te trazem o jornal, como uma linguagem que nunca se cicatriza. Aves grávidas de selva, desastres com brócolis. Abutres aparecem quanto menos aparecem. Inevitáveis abutres dilaceram as individualidades, tão tensos como os abutres alisando os fígados dos maus poetas. Abutres dilaceram as caricaturas, abutres são urubus nos vãos das escadas. Pássaros de asas tortas, tão medrosos quanto as paranoias com seus abutres atravessados. Abutres podem ser instantâneos e sangrar por 15 suaves minutos na lama da vida. Abutres atraentes entopem as avenidas de ímãs, abarrotam as antemanhãs de charme. Abutres são flores nos teus pulsos, tensas carícias tristes. Abutres amordaçados te fazem carinho, te apunhalam chovendo uma chuva que brota do chão. O canto das ambulâncias ecoa como sereias sinalizando sirenes mitológicas bicando o fígado das cidades. Abutres com brócolis. Cria corvos que te sacarão os olhos. Para sentir o eclipse basta ter pele.

.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

.....

Não tinha túnel. O lado de dentro refletia o lado de fora. Nadando assim na piscina desses olhos verdes (alguém esperava o tiroteio passar).
Delírios oceânicos germinavam dos teus óculos:
pequenas máquinas de enxergar.
Livros brotavam do seu peito. Sim, a cidade era dos arranha-céus
Sim, mas a felicidade não podia ser medida como uma mera
expectativa de pavimentação e argamassa.
Em cada edifício alguém enlouquecia e tentava arranhar o céu.
A cidade era daqueles que arranhavam os céus para depois
incendiar a própria noção de céu,
como os que arrancam as luas de isopor e depois desfolham
os calendários,
como os vulcões presos dentro das lombadas dos dicionários,
como os encaixes que se desencaixam e permanecem belíssimos;
Os incêndios nunca correspondem às destruições
Sim, a cidade era dos arranha-céus, daqueles que cravavam suas garras
e depois bebiam tranquilamente
seus refrigerantes de petróleo.
Sim, mas mesmo assim flutuavam os pássaros de Hitchcock
Mesmo assim os planetas entravam em fusão
Mesmo assim sobrenadavam os corvos de Allan Poe
Mesmo assim as bibliotecas brotavam das árvores
Sim, a cidade era a cidade dos inocentes, daqueles que queriam as profundezas sem imersão,
daqueles que dançavam sem êxtases ou possessões,
dos iluminados no céu escuro
Sim, sim, a cidade pertencia àqueles que fotografavam tudo,
daqueles que sabiam que o susto era a alma do negócio.
Dos que arranhavam os céus com as unhas e depois saiam
distraídos para caminhar....
Sim, sim, sim, mas mesmo assim permaneceriam os venenos de veludo,
de beijos sem nomes, amores sem sobrenomes,
agendas sem datas, luas sem GPS, os olhos espirrando mel
sobre os mortos
da noite anterior.
Mas mesmo assim nos permaneciam as asas crescendo durante a noite,
enquanto os inocentes dormiam;
asas que iam inflando como giletes que escorregavam de dentro de nossas peles até incharem tanto
que logo arrebentavam
de manhã e nos deixavam aqui mesmo tontos,
caídos e atordoados
no continente do chão.
Nascíamos, também.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O ouro dos tigres (Jorge Luis Borges)


Hasta la hora del ocaso amarillo
cuántas veces habré mirado
al poderoso tigre de Bengala
ir y venir por el predestinado camino
detrás de los barrotes de hierro,
sin sospechar que eran su cárcel.
Después vendrían otros tigres,
el tigre de fuego de Blake;
después vendrían otros oros,
el metal amoroso que era Zeus,
el anillo que cada nueve noches
engendra nueve anillos y éstos, nueve,
y no hay un fin.
Con los años fueron dejándome
los otros hermosos colores
y ahora sólo me quedan
la vaga luz, la inextricable sombra
y el oro del principio.
Oh ponientes, oh tigres, oh fulgores
del mito y de la épica,
oh un oro más precioso, tu cabello
que ansían estas manos.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Cartola (por Augusto de Guimaraens Cavalcanti)

Isto não é uma cartola. Cravado nas cores alvas, Cartola sorri.
Não, não se trata da cartola surrealista na cabeça dos homens
Anônimos pintados por René Magritte, mas sim o Cartola do peito aberto de Mar.
Como uma luz negra na noite tardia, Agenor Cartola Miranda
Jamais retirava seus óculos escuros lembrando
Roy Orbison com sua sabedoria indevassável.
Tal qual Cruz e Sousa desterrado
ou Lupicínio vociferando o peito tão forte
como se de granito fosse o seu rude brilho. Assim, qual um vulto,
Cartola parece nascer da noite. Fotógrafos sonhavam
Passivos sobre seus sóis abatidos.
Embriagados os poetas devoram o Universo. Enquanto isso Cartola
transpirava, atravessava travessias
Pelas dobras, transformava as bordas, seu blecaute não cabia em si.
Ainda resta uma cadeira vazia, uma cal de móbile,
uma ode de trapo sobre este céu – pano de estrelas.
Baralhos eram jogados ao ar para ninguém.
Cartola com seus olhos inflamáveis de gasolina.
No blecaute se pode enxergar muito melhor.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Os tigres cravando as garras no Estado de São Paulo

Saiu ontem no caderno literário do Estado de São Paulo 1 resenha do professor da USP Moacir Amâncio discorrendo sobre meu livro "Os tigres cravaram as garras no horizonte" e "Dezembro" da Ana Salek. Para quem quiser ler a matéria aqui segue o link:

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Os tigres cravando as garras na revista "Caras"

E por incrível que pareça descobri hoje que a revista "Caras" publicou, nesta última edição, a foto de 1 tigre comendo 1 abóbora e 2 versos do meu poema "Sobre a eficácia dos tigres"......só não me chamaram para o castelo nem para a ilha fantasmagórica, ainda. Isso sim foi 1 sinal para mim de que o surrealismo realmente existe. Não sei se me sinto homenageado ou parodiado.......as 2 coisas talvez, rs.

terça-feira, 29 de março de 2011

Warhol TV (por Augusto de Guimaraens Cavalcanti)












Dial M for Model.
Pense na arte como uma oração fúnebre. Valorize mais a moda do que a arte. Pense na tristeza dos desalmados das câmeras. Pense na Warhol TV. Pense nas publicidades em mosaico, pense nas propagandas sendo propagadas por cerca de milhões de telas germinando. Pense no futuro sendo moldado pelas grandes telas, nas imensas latrinas de futilidades. Pessoas camufladas em rótulos, nomes se esvaindo pelas revistas. Pense nos astros televisivos evaporando pelas programações, como tigres encurralados, pense nas notícias velhas. Os elefantes nunca esquecem. Pense em forma de raio X, pense em suas flores liquidadas tropicais. Toda pessoa deveria ter uma televisão estática em casa, como um navio ancorado no ar, como um suspense em suspensão. Até os americanos são capazes de terem questões existenciais. Sorria com chumbo entre os dentes. Dial M for Model. Pense no POP como um gigantesco enterro em procissão; mais suave do que os fios que tentam captar seu som. Pense em um monstruoso zapping de televisões que estivessem sempre “on air”. Pense em um artista cuja existência inteira racionou como poderia virar um produto e ao mesmo tempo seu próprio réquiem. A descrição não combina com o espanto dos espelhos. Pense em um anjo vindo de Pittsburgh; um anjo de antenas, e não de aureólas. Um anjo tão banal quanto o nosso tempo. Pense nos olhos gordurosos e as pálpebras de sucata. Acabou de vir a velha menstruação de Brigitte Bardot depois de cinco anos, não é fantástico? O que é a POP Art? Este anjo trôpego a pisar sobre mentiras patológicas, males necessários para o sucesso? Só o POP salva? Pessoas são mais alegres no sol? Pense na simultaneidade de uma inédita escada de emergência, tente estar entre o céu e a água; à beira mar. Deite por travesseiros em formas de pessoas, pelo interior das pestanas a morte pode render muito dinheiro. Warhol queria ser enterrado de jeans. Pense em Warhol usando jeans, sepultado como um mágico que dissipa seus truques desperdiçados. Pense no prazer de uma sombra. “Sempre suspeitei que estava assitindo televisão ao invés de viver a minha própria vida”, ele dizia.....Pense na Warhol TV. Pense se a maquiagem falhar.

domingo, 13 de março de 2011

"Cronópios / Literatura Contemporânea"

O site portal paulistano "Cronópios / Literatura Contemporânea" acabou de publicar com destaque 3 poemas meus do meu último livro "Os tigres cravaram as garras no horizonte", o que muito me emocionou. As ilustrações estão lindíssimas, agradeço ao artista plástico Pipol. Para quem quiser conferir, aqui segue o link:
http://www.cronopios.com.br/site/prosa.asp?id=4932

sexta-feira, 4 de março de 2011

Carnaval (o processo)








Acolher destroços, como quem apanha uma nuvem inquieta, intempestiva como uma jóia. Quarta-feira cinza, destroços de uma quarta-feira cinzenta, nocaute que no final das contas não quer dizer nada + do que já diz.......... Recolher migalhas como quem replanta as cinzas, semeia furacões.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

E os tigres cravaram as garras no horizonte do Prosa & Verso de hoje, dia 12 de fevereiro, saiu 1 sinopse sobre meu livro na seção de lançamentos.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Novo mundo

Te deixo aqui como uma estátua terminada. Em sua tecnologia sonhada, a poética do concreto nos despeja três mil anos de Dionísio para serem devorados. O peso nos deixou levíssimos demais....a escuridão nos luziu. Os encarcerados do filme olham e nada entendem, já não conseguem mais escapar. Te alago no cimento. Te seco nesse mar.

O cinismo é a sabedoria dos vencedores; pura estátua nos ponteiros de carne. Como órfãos da tempestade, cada planeta carrega o nome de sua pele, cada placenta traz sua casca gravada na viva cal das plumagens do cabelo. Deuses dementes não deixam a cidade dormir. Nossas margens se derretem na nébula do cotidiano. Duraremos pelas esquinas, no transe solar de engenharias amplificadas por guitarras dissonantes de vazio, na solidariedade de dois abismos. O engenheiro quer abolir a noite, mas nenhum engenheiro jamais abolirá o fato de que a localização poética soterrará a localização geográfica.

Eu te agradeço Spielberg pelo lixo de cada dia, eu te agradeço Spielberg pelo caos portátil. Meus sonhos foram sepultados em 1972, e eu não era nem nascido. Nasci sobre as ruínas de um mundo imaculado, nada me pertence mas eu desconfio que o mundo atual seja bem melhor. Carregando esse vídeo game estúpido dentro do peito, nasci com uma máquina de fazer inferno e de fazer poesia. Eu te agradeço Spielberg por tudo. Eu te agradeço Spielberg mesmo assim por tanta ilusão. Desconfio das idéias,sei que todo poema é uma navalha.

Vamos caminhar depois do tiroteio? O blecaute nos iluminou. O novo mundo é bem bonito nas telas da cidade.


quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

babylonest

Existem palavras feitas para serem lidas no escuro. Dias estranhos, melhor escapar daqui. Dias bonitos, aos vencedores: o dia. Muros brilham nas argamassas dos perdedores. Aviões de chumbo voam na tua retina verde, como sementes para os olhos, o aquário escorre escorre escorre........ projeções de Monica Vitti; dilúvios de Chernobyl. No meio do parto você rasga meus poemas com os dentes, de repente estrelas descem do teto, o lilás é só para iludir. Estúpidos girassóis entopem tua casa, girassóis fecundam a lapela da tua camisa, a fechadura te alaga todo, ela está grávida de sol. E como diria Edu Planchez: só uma alma de diamantes pode reconhecer outra alma de diamantes; só o fogo purifica o fogo. "E quem é que precisa de maus governos, se todos nós somos presidentes do universo inteiro?". Aqui não existem princesas, somente belas salas. Aqui se anda de deserto coberto pelas quatro tardes. Aqui nenhuma morfina nenhuma tomada. Aqui sempre uma frase pronta no cotovelo das horas. Algo como um aleluia ou um assalto. Aqui nunca se entende muito bem o que os cowboys fazem dançando música eletrônica no meio daquele deserto de lá; no deserto de cá esses óculos escuros me cabem muito bem. No espelho do que não vejo, navalha. Por de baixo o segredo; como uma artéria inchando, como um peito de areia, nenhum alto-falante me guia. Aqui sou caça bem suponho nessa superfície de antenas; nesse presente exposto até a última artéria; iluminado por todo aquele escuro de nós mesmos e belas guitarras dissonantes; poetas cuspindo um dia-a-dia tecido em balões de ar. Aqui o meu acaso bem pago. Aqui essa tela de prêmio e os despertadores que me desaceleram. Antonioni estava certo; tenho febre de espaços. Agora transparente não espero, passo. Mastigo alguma lua de chiclete, as aparências não iludem; Antonioni estava mais do que certo. Ela tinha flores no cabelo. Eu escapei pelas paredes. Ela tinha paredes no cabelo. Quero radiografar tudo; um aquário infinito em uma cortina de areia, todos os desertos do mundo sorrindo no meu fim. A leveza é um peso insustentável.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

pelo avesso











Te encontro pelo avesso, nas sombras das estátuas. Astronautas trazem na pele um sol sonâmbulo; homens de aço e de treva. A lua dá o eixo para se flutuar. Astronautas entregam às feras suas cicatrizes. Incandescentes como qualquer manto de pó. Mares se enfurecem sob seus pés. Os sonhos são as âncoras do nosso absurdo. Os assombros incendiarão suas asas. Estas são suas núpcias de fogo. Seres em chama se alimentam da poeira dos acasos. Este é o mundo dos átomos e das estrelas que despencam para sempre. A incerteza é a religião dos tigres. Mas, o que foi feito das manchas solares? E quantos sonhos vermelhos sustentados por estas garras? O vampiro é o rei da escassez. O coro é implacável. Este é o lugar onde os planetas nascem ao contrário. Raio sem trovão, precipício sem margem, náufrago sem destroços, âncora sem mar; trampolim sem chão.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Da catarse ao caos (E se não for pelo Fla-Flu, como crer na eternidade?)








E se não for pelo FLA-FLU, como crer na eternidade? O mundo de petróleo e sangue se desfaz no choro das massas. Um balé de vento nasce nos dribles dos anjos. Por de trás da tela é que se filma o que nenhuma televisão consegue captar. Nenhuma televisão consegue enxergar aurora no silêncio de onde agora surgem esses interplanetários do asfalto. O FLA-FLU é o ópio dos deuses.

Testemunhar um FLA-FLU é estar encantado de verbo, técnica, tabu e mágica; é ter fome de galáxia, tudo ao mesmo tempo e no mesmo lugar. Os alquimistas da grama rolam o diamante no verde das estruturas, deuses raros grudam a pedra abismal nos pés. No sacrifício da bola o gol afasta os maus espíritos, os dados se esfacelam e os breus se estilhaçam. Mas que não se enganem os inocentes: qualquer outro jogo é cinzento se comparado à essa guerra entre branco, preto, vermelho, verde e grená. Multidões são inventadas na destruição suntuosa dos bens que cada drible incendeia. Cada drible arde no instante seguinte, presentes são lacrados e pegam fogo no suor suntuoso dos gregos do agora. No FLA-FLU nada pode ser impessoal, os supermercados afetivos de lucro fecham suas portas.

Engoliremos as chaves de casa e celebraremos esse pó de cal e arroz que cai sobre a máquina radioativa de Mickey e Rivelino, a única máquina luminosa neste mundo desolado a rodar. As senhas decoradas se desfazem por um milésimo de segundo nesse eclipse total nocauteado no meio do estômago, ou mais claramente na barriga daquele certo Renato que já nasce mitológico. Enquanto isso, Assis faz explodir as flores grávidas de pólvora do infinito em Flávio, o Flamengo nunca mais empatou. Que abismo trágico de asa nesse céu se rasga? O FLA-FLU é o ópio dos deuses. E se não for pelo FLA-FLU, como crer na eternidade?

[1]


[1] “E se não for pela poesia, como crer na eternidade?” (Alphonsus de Guimaraens Filho)

[1

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

"O poeta azul" por José Castello

E os tigres começaram a cravar suas garras em 2011! Hoje saiu a primeira resenha sobre meu segundo livro, escrita pelo crítico José Castello, no blog dele da globo.com. A resenha se chama "O poeta azul" (em referência ao filme Veludo Azul do David Lynch). Para quem quiser conferir aqui vai o link: http://oglobo.globo.com/blogs/literat...ura/
Para quem preferir, segue aqui a resenha na íntegra:

"O poeta Azul", por José Castello:

O contrário da eficácia não é a ineficácia, o contrário da eficácia é a delicadeza. Um esforço pode produzir o efeito desejado pode gerar bons resultados, mas pode, mesmo assim, ferir e aniquilar. O ato pode agir contra quem o praticou. Não é sábio chegar a um bom efeito, sem saber se ele nos serve. Antes de agir, contemplar. Arranco pensamento assim, fortes e sensíveis, da poesia de Augusto de Guimaraens Cavalcanti, reunida em "Os tigres cravaram as garras no horizonte" (Editora Circuito).

Detenho-me, em particular, em um texto, chamado "A eficácia dos tigres". Pura poesia em prosa, o que, em si, já inverte valores. A eficácia dos tigres, mostra Augusto, é só beleza, é puro encantamento; não traz resultados, não gera recursos, nada produz. É inútil. Ele assinala: "Os tigres são contra o charme luminoso da objetividade e do equilíbrio, do rigor e da lucidez". Preferem a delicadeza do acidente, que é gratuito e não visa objeto algum. Na era pós-industrial, das marcas, luzes e griffes, das imagens feéricas e obrigações virtuais, Augusto escreve voltado para o inútil, que é indecifrável, obscuro e anônimo. Que se parece com uma pedra. Isso, em si, já é um ato de coragem.

Poetas como Augusto preferem escutar o acaso, submeter-se a ele, da forma mais ineficaz, mas também mais bela. Sua atitude (ao contrário do que pensarão os técnicos bem treinados e os controladores de eventos) não é insensata. Há uma ciência nesse submeter-se, há um objetivo que _ digamos _ é subjetivo. "Os tigres degolam os objetos úteis com extrema precisão". O que é útil para mim, pode ser um obstáculo para você. O que me serve, talvez não lhe sirva. Ao triturar os objetos, os tigres retomam a potência do singular. Eu sou isso, você é aquilo, e assim está bom, porque é assim que é.

Poemas não são solitários? Poetas, como Augusto, não acreditam em valores fixos, que marcham em bandos. Nada mais distante deles do que a ideia pronta, o programa de ação, o bem fazer. A contabilidade, o lucro-benefício evocado pelas atendentes telefônicas. A poesia está do lado da surpresa _ mas quanto às surpresas, nunca podemos contar com elas. Diz Augusto: "Os tigres vão cravar as garras no horizonte quando menos se esperar". Sabe que vive em um mundo vazio, mas isso, em vez de deprimi-lo, o instiga a ser. Lembra em outro poema, dedicado a Ana C.: "Caio aqui mesmo nessa auto-estrada/ nessa via sem heróis/ de plástico/ e sem bandeiras para hastear". A presença esquiva de Caio Fernando Abreu, transformado em verbo, é gritante. Diante do mundo que lhe oferecem, Augusto decide: "Vou dar minha orelha a um cego/ e caminhar pelo lado sombrio das calçadas".

A poesia de Augusto, como ele diz em outro poema, está "em obras". A suspeita da eficácia não é uma teimosia, uma rabugice juvenil, mas um ato de prudência. Quantos horrores os homens eficazes já fizeram! Quanto já se destruiu em nome de um mundo prático! Em outro de seus poemas, "o semáforo marcou azul", isso se torna escandaloso. O que um motorista deve fazer diante de um semáforo azul? Avançar? Parar? Esperar? Transportado para as esquinas urbanas, o azul se torna uma cor ineficaz. Os homens práticos dirão que ela está ali só para confundir. Augusto sabe que, ao contrário, ela é um pedido de contemplação. E assim faz sua poesia: como se contemplasse. Em um poema dedicado a Rainer Maria Rilke, ele resume: "Palavras são pedras e dias são mapas, poetas criam sua própria ilha em um oceano de céu".

domingo, 9 de janeiro de 2011

Os tigres cravaram as garras no horizonte (Augusto de Guimaraens Cavalcanti)



A eficácia dos tigres é vir ao mundo de onde menos se espera,
ou de um escuro tão fundo que nenhum blecaute sonha alcançar.
Os tigres necessitam da noite para se preencherem, suas garras apontam para a lua. Tudo que é noite traz seu prenúncio de tigre. Tudo que transborda traz sua ameaça de tigre. Tigres são sacralizáveis, pessoas não.

Tigres eternizados andam depois da tenebrosa. Tigres pisam livres pelos arredores dos prédios anônimos. Um tigre salta para dentro do tempo. Tigres não toleram sofredores. Tigres não carregam a poeira dos séculos. Os tigres reinventam a vida todos os dias.

Abrigar um tigre é como flutuar à deriva sem sair do lugar. É como se sentir desplumado, espectador sem espetáculo, desastrado sem desastre, computador sem dor alguma para computar. Enquanto sobrevivemos eles cavam o ar, prósperos e acessíveis. E quando os tigres invadem as cidades, será que são eles que se humanizam, ou na realidade é a humanidade que se tigrifica?

Os tigres são contra o charme luminoso da objetividade e do equilíbrio, do rigor e da lucidez. Os tigres são pelas estruturas vivas pingando sangue. Os tigres degolam os objetos úteis com tremenda precisão. Os tigres votam pela beleza e a delicadeza dos acidentes. Os tigres sabem que toda rua pende frágil como uma metáfora. Os tigres acreditam no sexo matemático das coisas. Os tigres irão cravar as garras no horizonte quando menos se esperar.

Quando os grandes prédios dormem. Nas sombras das estátuas; a incerteza é a religião dos tigres. Mas, o que foi feito das manchas solares? E quantos sonhos vermelhos sustentados por estas garras? Tigres desmoronados atravessam as galáxias. Este é o lugar onde os planetas nascem ao contrário. Raio sem trovão, precipício sem margem, náufrago sem destroços, âncora sem mar. Quando os grandes prédios dormem. Seguir um tigre é como estilhaçar espelhos e não morrer. Não vos admireis se tigres se deitarem na selva de vossos pés. Tigres perpétuos andam soltos pelas jaulas das ruas.