segunda-feira, 31 de maio de 2010

Interpretando o AmorAmerica (livro dos Sete Novos)

Já diria Pablo Neruda em seu poema Amor América que antes dos rios arteriais veio o grande sonho púrpuro chamado América. Henry Miller já dizia que os livros que melhor compreenderam os Estados Unidos foram feitos por escritores estrangeiros. De fato, Franz Kafka, Tocqueville e Maiakóvski possuem relatos definitivos, cada um à sua maneira. Por isso os três Sete Novos se apropriaram do poema-slogan amor-humor de Oswald, e juntaram as highways siderais de Jean Baudrillard e os outdoors mitológicos de Agrippino de Paula para construir o anti-livro AmorAmerica. Se Allen Ginsberg decretou The Fall of America em 1971, nós já pensamos um pouco diferente.

Estamos mais perto dos Estados Unidos (simulacro da França) do que imaginamos. Não, não só pelos seus mitos que deglutimos desde crianças, hipnotizadas pelos quebra-cabeças do cinema e da TV, mas pelo nosso horror à ambigüidade. Sim, somos o país mais positivista do mundo. Não, não é só pelo lema de nossa bandeira; (embora seja estranho tirar o amor do “ordem e progresso” como fizeram nossos republicanos dos Estados Unidos do Brasil); mas sim as nossas obsessões racionalistas em holofotes iluministas; quase nenhuma cota de sombra permitida.

Tudo que um super-herói americano queria era ser grego. Ou alguém nega que mesmo os protestantes entram em transe? Marthin Luther King entrou, tantas e tantas vezes, assim como Jim Hendrix de lá nunca saiu. Devemos à América o momento mais bonito da humanidade, a chegada do homem na Lua. Como se Cortez, Vespúcio, Américo ou Colombo filmassem tudo, não havia nada ali, só as crateras, crateras, crateras. Mesmo assim, a lua dos românticos virou a lua dos astronautas. O Amor América é uma esperança; um amor não correspondido da colônia pela metrópole. Assim, como a nação protestante da América não possui santos, nós emprestamos os nossos para eles.

“Os americanos só acreditam nos slogans”, me disse o Domingos certa vez. Penso assim em imagens tão ácidas como os irmãos Metralha recepcionando os turistas na Disney em vez do rato decadente e imundo Mickey. Sou aqui pela vertigem de outdoors líricos em que se vendam anúncios que façam as pessoas se emocionarem. Sou pelos Estados Unidos da Vertigem. Certa vez Jorge Mautner me disse que foram os jesuítas que criaram o samba, e que o Padre Antônio Vieira foi o primeiro tropicalista da história. Até hoje rumino sobre isso, um dia chego lá. Esperamos pelo dia em que Flash Gordon nos faça mais sentido do que já faz. Because we have visions instead of televisions.

Gosto de imaginar um “Esperando Godot” encenado por Sylvester Stalonne como Pozzo e Arnold Schawzneger como Lucky. Fico imaginando se tal peça seria possível, já que no site oficial de Stalonne está escrito que na Escola de Arte Dramáticas de Miami, a grande influência de Sylvester era Beckett, achei isso um milagre auspicioso. Qual seria a influência de Samuel no grande monstro Rambo a se criar? Talvez a cidade do Kansas seja tão cosmopolita como qualquer lugar do mundo. Quem garante que as Kansas Hell Fighters não possam ser tão existencialistas quanto as francesas do Café Mondrian. E por que não ?

Para mim uma cidade tão carente que suplica romanticamente amor só pode ser uma cidade sonhada. Miami, fico pensando nela, somente nela, somente nela, como se possível fosse estar lá eternamente como em um carnaval ou em um desfile em celebração à existência. Algo como o lindo vídeo-clipe em que Bruce Springsteen caminha sobre ruas chuvosas de Philadelphia. Estive em Filadélfia e Miami quando criança, mas infelizmente não conheci seus aspectos mágicos. Devo ao cinema isso e muitas coisas mais. No final da canção Bruce recita “aint no angel gonna greet me”, é isso aí; nenhum anjo vai nos parabenizar por nada. Deixemos os anjos para Wim Wenders. Na América os anjos são reais, estão no submundo até e nos dão bom-dia.

Muito me interessa a imagem lisérgica da casa de Andy Wahrol com seus móveis preenchidos com gás de hélio, flutuando quando o artista queria desocupar seus espaços, e amarrados no chão queria preencher sua sala. Tentei misturar essa imagem em meus textos com o questionamento do livro apocalíptico “The Fall of America”, de Allen Ginsberg, em que o poeta quer defender a profecia feita por William Blake de que a América (Iracema de ressaca) se auto-implodiria em dois séculos (imagem esta quase de ficção científica à la Hollywood).

Não estaria Blake descrevendo Kripton, planeta que explode? Mas se ao menos a grandiloqüência do Superman salvando o mundo pudesse ser aprendida por Macunaíma........ Aliás, nos filmes de Superman o planeta terra é sempre descrito por Planeta Houston, não é demais? E sem falar no Planeta Hollywood, lanchonete que serve mundialmente hambúrgueres e sonhos, assim como as finais dos campeonatos americanos que são sempre descritas como World Series. Samplers, samplers. Procuro imaginar como seria se José Agrippino de Paula tentasse entender o Kentucky......Qual seria a profecia de Blake sobre este misterioso Estado? Como Kieerkegard descreveria o tédio norte-americano daquelas cidades pequenas com suas casas todas aparentemente iguais? Como seria o carnaval em Kentucky? Bom, New Orleans possui o Mardi-Gras, que é um carnaval europeu, mas o Kentucky não, lá não há inversão nenhuma. O que Roberto Da Matta escreveria sobre um possível carnaval no Kentucky em que as mulheres gordas de frango frito começassem a entrar em transe devido a algum erro na produção do Kentucky Fried Chicken?

Através do nome “Deusa EUÁ” divido o espanto com o leitor ao descobrir que o nome africano para a deusa da sedução é realmente “Deusa EUÁ”. Em comunhão a “Deusa EUÁ”, imagino como seria se João Cabral usasse um parangolé e parasse para escutar música clássica. Se é para África dominar o mundo que seja pelo bom propósito de Michael Jackson cantando o fim da segregação racial em “Black or White”, ou pela lírica pujante dos nova-iorquinos do The Last Poets. No hip-hop o que me incomoda são as ausências de metáforas e ambigüidades, muito diferente do rap proveniente da sigla rythm and poetry (poesia ritmada).

Sou pela delicadeza dos índios, sou pelo símbolo do real, sou pela magia no cinema e pelo cinema na magia, sou pelas noites americanas. Falsas noites são criadas em estúdios durante o dia. Não seria essa a ambigüidade mágica que nos interessa? Sou pelo ritmo na poesia, e não por essa dilaceração amorfa pop, em que mal seus heróis morrem de overdose, logo são reciclados por outros. A banana de Andy Wahrol entupiu a goela de Carmem Miranda. Os grafites de Basquiat dinamitaram Manhattan como queria Drummond.

Manhatã, a cunhã do dinheiro com descendência indígena, definitivamente é uma das deusas mais imaginada do mundo. Manhatã é um desterro para os homens de boa cobiça. Manhatã é o mapa de si mesma, tão ao alcance que se confunde com sua própria representação, como se estivesse a própria terra do mapa. Em Nova Iorque as ruas são anônimas, no Brasil são nomes de militares, deuses e pseudo-artistas. Obama é o Zumbi do século XXI, só que o seu quilombo é um quilombasso, absoluto xadrez de estrelas. Esse é o lugar sonhado da Mátria dos Estados Unidos do Universo em que não se tenha hierarquia de culturas, Manhattan é Manhatã e as duas convivem bem, nenhuma cultura quer se impor ou tolerar a outra, mas apenas coexistir. Esse é o lugar mágico, e não o da globalização das pequenas diferenças com a global hegemonia norte-americana. Obesos norte-americanos caminham lentamente com as mulheres grávidas.

Tem coisas que só são passíveis de explicações quando se caminha pelo Guggeinheim, museu circular na beira do mundo. Toda vez que o cowboy da Mar-lboro aparece nos intervalos comerciais, alguém solta sua baforada e desabrocha como uma flor. Godot entra aqui de soslaio para avisar mais uma vez que não vem. Cada vez que o cowboy da Mar-lboro surge no mundo, os pedestres de Manhattan dançam nos cruzamentos perigosos, suas coreografias são ensaiados em ato pelas ruas anônimas. Os engenheiros construíram a América e eles são inocentes.

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