sábado, 17 de outubro de 2015

Não tinha túnel. O lado de dentro refletia o lado de fora. Nadando assim nos acúmulos de azuis das piscinas mais brutais (alguém esperava o tiroteio passar). Delírios oceânicos germinavam dos teus óculos: pequenas máquinas de enxergar. Livros brotavam do seu peito. Sim, a cidade era dos arranha-céus. Sim, mas a felicidade não podia ser medida como uma mera expectativa de pavimentação e argamassa.
Em cada edifício alguém enlouquecia e tentava arranhar o céu. 
A cidade era daqueles que arranhavam os céus para depois
incendiar a própria noção de céu,
como os que arrancam as luas de isopor e depois desfolham
os calendários,
como os vulcões presos dentro das lombadas dos dicionários,
como os encaixes que se desencaixam e permanecem belíssimos;
Os incêndios nunca corresponderiam às destruições
Sim, a cidade era dos arranha-céus, daqueles que cravavam suas garras
e depois bebiam tranquilamente
seus refrigerantes de petróleo.
Sim, mas mesmo assim flutuavam os pássaros de Hitchcock
Mesmo assim planetas entravam em fusão
Mesmo assim sobrenadavam os corvos de Allan Poe
Mesmo assim bibliotecas brotavam das árvores
Sim, a cidade era a cidade dos inocentes, daqueles que queriam as profundezas sem imersão,
a arte de mergulhar no raso,
daqueles que dançavam sem êxtases ou possessões,
dos iluminados no céu escuro
Sim, sim, a cidade pertencia àqueles que fotografavam tudo,
daqueles que sabiam que o susto era a alma do negócio.
Dos que arranhavam os céus com as unhas e depois saíam
distraídos para caminhar....
Sim, mas mesmo assim permaneceriam os venenos de veludo,
de beijos sem nomes, amores sem sobrenomes,
agendas sem datas, luas sem GPS, os olhos espirrando mel
sobre as horas mortas
da noite anterior. Ainda assim nos permaneciam as asas crescendo durante a noite,
enquanto os inocentes dormiam;
asas que iam inflando como giletes que escorregavam de dentro de nossas peles até incharem tanto
que logo arrebentavam
de manhã e nos deixavam aqui mesmo tontos caídos e atordoados
no continente do chão.
Nascíamos, também.


(Do livro inédito Máquina de fazer Mar)

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