quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Há exatos 3 anos a + inexata Bulgária

Foi Radamés Stepanovicinsky (o bulgarólogo mais aclamado do século XX) quem escreveu sobre este meu primeiro romance "Fui à Bulgária procurar por Campos de Carvalho" (2012, 7Letras): "Sob uma chuva imóvel, farejando as mais diversas pistas com nariz sutil, o narrador deste insólito romance segue rumo a uma Bulgária inventada ou literária - e por isso real - em um lugar montado a partir de colagens, nomes e palavras de teor e sonoridades ímpares, num diálogo que parte das experimentações do humor do também ímpar escritor Campos de Carvalho para chegar - renovado e revivido - ao leitor mais que contemporâneo". Muito mais do que seu sobrevivente, o que mais interessava a Campos de Carvalho era ser contemporâneo de si próprio, e não apenas meramente sobreviver; até o ponto em que poderia ser ele o primeiro astronauta realmente lunático a chegar finalmente na Lua e embaralhar sua geografia. Antes que o homem pensasse em pisar na Lua, Campos de Carvalho já estava tentando chegar à Bulgária. Considerava que somente com esta busca poderia romper a dentadas a barreira do impossível. Pouco importava a Campos de Carvalho que o tal púcaro búlgaro (vaso de asas quebradas) pudesse ser um monstro aos olhos dos chamados lógicos. Sem Bulgária alguma para procurar talvez a vida lhe escorregasse em capa escorregadia, sem ensopar e encharcar suas ideias e imagens. Para navegar um país tão escorregadio seria preciso muito mais do que uma capa de chuva. Também Campos de Carvalho possui os dentes do dragão.

E como dizia Campos de Carvalho: "Inútil fugir de mim. Fugi do ventre e não adiantou de nada, andei como sonâmbulo por terras e mares estranhos, acabei caindo nesta ilha, neste quarto, com esta luz ofuscando-me a escuridão: sou eu a lâmpada, não consigo apagar-me: o vaga-lume depois de morto continua aceso – também as estrelas. Esta respiração não pode ser só minha, é a de todos os que fui e sou desde que “nasci”. Cada um carrega o que tem e é por ele carregado, o espelho dos outros nos deixa na mesma perplexidade que o nosso, em vão lhes copiamos os gestos e a voz: nossos sonhos são outros. O único defeito de Paris é ter parisienses, mas penso que isso acontece com os habitantes de todas as cidades. O mundo de hoje é tão de cabeça para baixo, que só se pondo de pernas para ar você consegue pisar no chão e olhar o adversário nos olhos, medi-lo em sua insignificância, a ele e seus cânones – e paideumas. Me encontro agora na esquina do boulevard Saint Michel com a Barata Ribeiro. O Rio de Janeiro tem, de parisiense, isso de que as pessoas estão sempre procurando ver algo ou mesmo algas – e, quando é o próprio trânsito que deixa de transitar, aí então não há rei nem valete que nos valha e o melhor é, como no caso do poeta, ouvir um tango argentino. O boulevard Saint Michel, para quem não sabe, vai dar no Sena e na catedral Notre Dame – o que possibilita aos desesperados, em caso extremo, suicidar-se ou cair de vez. Já a rua Santa Clara, por seu lado, para os que a conhecem, é justamente aquilo que dela sempre se espera, e qualquer Volks ou bicicleta que ali bata às dez da noite geralmente repercute em todos os quadrantes do mundo. Eles são metidos a plural e nada têm de singularidade. A deusa Razão inventada pela Revolução Francesa deu no que deu. Sonho o livro inatingível (todos nós sonhamos) que eu mesmo venha a compreender a totalidade só muitos anos depois, e que me escape justamente porque ainda não estou preparado para entendê-lo mas apenas escrevê-lo. Você, que também busca esse livro, sabe que não jogo com as palavras e sim apenas com a sorte (un coupe de dês...) e que já o simples fato de buscá-lo representa um deslumbramento, a exemplo do que ocorre com o alquimista diante da Grande Obra, ao mesmo tempo dentro e tão longe dela. Vim aqui ver, e não vi, o que só podia ver dentro de mim e não em qualquer geografia ou mapa: a face oculta do sol e de todas as luas, o outro lado do espelho e o rio subterrâneo que corre sob cada rio. Não sou quadro para viver preso numa moldura e dependurado na parede. E que são as fronteiras de uma cidade, eu pergunto, senão os limites estreitos de uma moldura mais ou menos de luxo na qual pretendem sufocar a imensidão de minha alma imortal, como diria um grande poeta ou qualquer seminarista de férias em uma tarde de primavera?".
ctot

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