domingo, 23 de julho de 2017

Não tinha túnel, o lado de dentro refletia o lado de fora
Nadando assim em uma piscina de olhos verdes,
alguém esperava o tiroteio passar

Delírios oceânicos germinavam dos óculos
(pequenas máquinas de enxergar),
livros brotavam do peito; 
a cidade era dos arranha-céus

Sim, mas mesmo assim a felicidade não podia ser medida
como uma mera expectativa de pavimentação e argamassa
Em cada edifício alguém enlouquecia e tentava arranhar o céu

A cidade era daqueles que arranhavam os céus para depois
incendiarem a própria noção de céu, 
como os que suspendem as luas de isopor 
e depois desfolham os calendários,

como os vulcões presos dentro das lombadas dos dicionários;
como os encaixes que se desencaixam
e permanecem belíssimos

A cidade era dos arranha-céus, 
daqueles que afiavam as garras 
para depois tranquilamente beber
seus refrigerantes de petróleo

Sim, mas ainda assim flutuavam os pássaros de Hitchcock,
plainavam os corvos de Allan Poe
e planetas entravam em fusão

Ainda assim permaneceriam os venenos de veludo,
os amores sem sobrenomes;
os incêndios jamais corresponderiam aos destroços

A cidade era dos inocentes abrumados de sabedoria,
daqueles que queriam as profundezas sem imersão, 
dos que dançavam sem êxtases ou possessões, 
dos mestres na arte de mergulhar no raso,
dos iluminados no escuro

A cidade pertencia àqueles que fotografavam tudo,
dos que arranhavam os céus com as unhas 
e depois saíam distraídos para caminhar
com suas desmedidas
máquinas de fazer mar

Ainda assim nos permaneciam as asas crescendo durante a noite, 
enquanto os inocentes dormiam; asas que iam inflando
como giletes a escorregar de dentro de nossas peles até

incharem tanto que logo arrebentavam e nos deixavam tontos; tombados e atordoados no continente do chão

Nascíamos, também

["Rua da Aridez" in: Máquina de fazer mar (2016, 7Letras, AGC)] 

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