quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Capa de Abismo

Veste teu manto de loucura e sai pela noite. Sai pela noite porque tudo é tão misterioso. Que todas tuas ilusões perdidas são só algum brilho desvairado. Ri do teu próprio ser atropelado, mas que a noite é tua. A barba que te cerra o rosto é o destino vestido dentro de cada olhar. Como uma estrela desgovernada.
Teus medos, tua parafernália de exageros. Que a noite é tua loucura, tuas utopias despedaçadas. De claridades noturnas você sai por aí como um lobo atrás da caça. Teus segredos se desfazem, mas tudo permanece em aberto. E você nem nota que a sarjeta é tua liturgia, bela pulsação de delírios.
Tira estas roupas que incomodam tua existência e anda com teus pés descalços. Que tudo que sobrou foi uma música tocando baixinha, uma música que talvez nem exista mais. Pisa de leve sobre tais ruínas. Quem sabe assim pelo menos a noite possa parar de morrer.
Coloca tua máscara, anda com tua classe de príncipe sobre teu reino depredado. Tira este relógio da parede, utiliza teu relógio imaginário. Recolhe tuas migalhas, veste tua capa de abismo. Veste teu manto de loucura e sai pela noite. E quem sabe desse jeito, um dia, a noite possa parar de morrer...


[De “Poemas para se ler ao meio-dia” (2006, 7Letras)].

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