quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Acaba de ser publicado na Germina (Revista Contemporânea de Literatura & Arte) um poema meu chamado "A última ciência da noite", que escrevi em torno de "O poema contínuo", do poeta português Herberto Helder; segue aqui o link: http://www.germinaliteratura.com.br/2016/augusto_guimaraens_cavalcanti.htm

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Última chamada para o lançamento do “Máquina de fazer mar". Estão todos convidados a aparecerem por lá na 7Letras em Ipanema das 18 e meia às 22 horas – endereço: Visconde de Pirajá, 580, loja 320. (Galeria Vitrine de Ipanema, ao lado da Livraria da Travessa). Ano que vem pretendo lançar o livro em SP e BH, enfim, hoje é o dia.

domingo, 4 de dezembro de 2016

Os cartazes sustentam o ar
A nebulosa dos olhos faísca na gramática da noite
Um mar saído do éter da eternidade transborda
seus sonhos de naufrágios; no escuro é possível brilhar mais

Os espelhos são os maiores responsáveis
pelo nascimento do dia
A música vem de dentro;
o mar não deságua em trevas

Densos espelhos captam mares
de outros meridianos, céus esvaídos por lunetas,
estrelas perdidas pelas calçadas

O éter do dia é obra da noite:
a claridade que transtorna a tessitura do escuro,
a noite refaz a aurora em desassombro

Objetos transbordam suas brechas,
os nomes quase nunca palpáveis,
o sangue circula sem ninguém precisar ordenar

O mar assiste ao deschorar das coisas:
melancólicos trópicos a ecoar e escoar
nos limites do mundo, o mar
sem fundo, o mar
dentro do mar

Sugar o açúcar e lhe devolver o sugar
Sugar o açúcar e lhe devolver o amargo
De sugar a sugar
Do açúcar ao sal do mar

("Máquina de fazer mar" – 2016 – AGC)


E este chão verbal que insiste em não desabar
para os pés que o inventam na noite violentada
por sapatos que pisam e a repisam
a compor esta enorme estrela feita de escombros

As mãos queimam quanto maior a ausência
quanto mais os relógios de pulso tentam cronometrar
o aflito movimento das coisas

(Melhor seria esperar que os objetos saltassem e escapassem de suas formas frias...seria quase como enterrar um poema ou colocá-lo debaixo de uma pedra para deixar que as palavras úmidas de grito quarassem no sol da terra)

A palavra é tão frágil quanto a vida
e em seu seio todas as cidades são azuis

A maior luta corporal é feita da batalha
entre os nomes e os objetos

A maior luta corporal das palavras
é feita do sangue dos dicionários

O tempo das palavras tem um corpo árido
de um fogo que brilha até no fundo do mar

O corpo é um traidor de imagens


("Máquina de fazer mar" – 2016 – AGC)

Poema que escrevi há cerca de 6 anos atrás para o Portal Literal (convidado pelo Ramon Nunes Mello), inspirado e contaminado pelo livro mais experimental do poeta maranhense, "A luta corporal" (1954),em ocasião dos 80 anos do Ferreira Gullar:



A grande ilusão é a de que os prédios dançam
para acompanhar os passos dos novos amantes

Em ato, amantes modernos perdem seus nomes próprios e
habitam as últimas claridades do fogo

Em ato de novos amantes, a íris do dia muda de cor,
novos arranjos são formados por mares lunares
– escuras planícies de magmas solidificados

Com seus peitos de sol denso eles conquistam, por instantes,
os espaços por onde escapariam os voos dos pássaros
e as formas transitórias das flores

Dos naufrágios de amantes recentes é que surgem as imagens
feitas pelas sombras singulares dos obscuros contornos das coisas:
trajetos entre bordas, pontes entre quedas, asas sobre asas

A grande ilusão é a de que os dias
não oxidam os jardins e não corroem os pomares

Flutuam significados e oscilam significantes,
verbos levitam enquanto palavras são suspensas pelo ar
Universos são desconcertados e recompostos por
travessias de plumas novas

E a maré da vida a cobrir nosso assombro
E o inconsciente marítimo a escorrer sobre tudo
E o verdadeiro verão, quase sempre glacial
E o mar uterino do Leblon a embalar nossa embriaguez

("Máquina de fazer mar" – 2016 – AGC)


sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Tudo que não era homem se reunia ali
– ainda que o pano noturno sempre caísse,
ainda que diamantes desabassem dela,
tudo que não era homem se reunia nela

Seu sorriso era do tamanho de um pequeno planeta,
de seus olhos saíam pequenas esferas
Ainda que o presente fosse carnificina,
ainda no meio de tão pouco sol e tanta treva
O céu tinha a cor das suas unhas: azul petróleo

Novas fronteiras eram vertidas em espanto,
novos países fundados na geografia de seu corpo,
no mar imerso do corpo, corpos fadados às ilhas,
talhados de enganos, filhos de escombros,
diamantes de escombros

Ainda que houvesse tanto abismo e tão pouca ruína,
tanto naufrágio e tão pouca queda, tanto mar
e tão pouco sal, ainda assim, haveria ela
de transformar qualquer mapa em esboço,
qualquer acúmulo em dádiva

No oceano de corpos em órbita
ela conduzia os rumos movediços dos dias,
o mar latejante das horas, o mar
sem início ou fim, o jasmim
da palavra jamais

("Máquina de fazer mar" – 2016 – AGC)

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

MÁQUINA DE FAZER MAR

Agora, neste tempo, após 6 anos do meu último livro de poemas, finalmente sairá o terceiro – “Máquina de fazer mar". O lançamento será no próximo dia 5 de dezembro (1 segunda-feira) na livraria da 7Letras em Ipanema. A ilustração da capa é do Roberto Magalhães e a orelha do Paulo Henriques Britto. Esta é a primeira chamada para o lançamento; estão todos convidados.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

A eficácia dos tigres é vir ao mundo de onde menos se espera, ou de um escuro tão fundo que nenhum blecaute sonha alcançar. Os tigres necessitam da noite para se preencherem, suas garras apontam para a lua. Tudo que é noite traz seu prenúncio de tigre. Tudo que transborda traz sua ameaça de tigre. Tigres são sacralizáveis, pessoas nem sempre. Tigres eternizados andam depois da tenebrosa. Tigres pisam livres pelos arredores dos prédios anônimos. Um tigre salta para dentro do tempo. Tigres não toleram sofredores. Tigres não carregam a poeira dos séculos. Os tigres reinventam a vida todos os dias.

Os tigres são contra o charme luminoso da objetividade e do equilíbrio, do rigor e da lucidez. Os tigres são pelas estruturas vivas pingando sangue. Os tigres degolam os objetos úteis com tremenda precisão. Os tigres votam pela beleza e a delicadeza dos acidentes. Os tigres sabem que toda rua pende frágil como uma metáfora. Os tigres acreditam no sexo matemático das coisas. Os tigres irão cravar as garras no horizonte quando menos se esperar. Abrigar um tigre é como flutuar à deriva sem sair do lugar. É como se sentir desplumado, espectador sem espetáculo, desastrado sem desastre, computador sem dor alguma para computar. Enquanto sobrevivemos eles cavam o ar, prósperos e acessíveis. E quando os tigres invadem as cidades, será que são eles que se humanizam, ou na realidade é a humanidade que se tigrifica?

Quando os grandes prédios dormem. Nas sombras das estátuas; a incerteza é a religião dos tigres. Mas, e o que foi feito das manchas solares? E quantos sonhos vermelhos sustentados por estas garras? Tigres desmoronados atravessam as galáxias. Este é o lugar onde os planetas nascem ao contrário. Raio sem trovão, precipício sem margem, náufrago sem destroços, âncora sem mar. Quando os grandes prédios dormem. Seguir um tigre é como estilhaçar espelhos e não morrer. Não vos admireis se tigres se deitarem na selva de vossos pés. Tigres perpétuos andam soltos pelas jaulas das ruas.

(AGC - 2010)




A eficácia dos tigres é vir ao mundo de onde menos se espera, ou de um escuro tão fundo que nenhum blecaute sonha alcançar. Os tigres necessitam da noite para se preencherem, suas garras apontam para a lua. Tudo que é noite traz seu prenúncio de tigre. Tudo que transborda traz sua ameaça de tigre. Tigres são sacralizáveis, pessoas não. Tigres eternizados andam depois da tenebrosa. Tigres pisam livres pelos arredores dos prédios anônimos. Um tigre salta para dentro do tempo. Tigres não toleram sofredores. Tigres não carregam a poeira dos séculos. Os tigres reinventam a vida todos os dias.

Os tigres são contra o charme luminoso da objetividade e do equilíbrio, do rigor e da lucidez. Os tigres são pelas estruturas vivas pingando sangue. Os tigres degolam os objetos úteis com tremenda precisão. Os tigres votam pela beleza e a delicadeza dos acidentes. Os tigres sabem que toda rua pende frágil como uma metáfora. Os tigres acreditam no sexo matemático das coisas. Os tigres irão cravar as garras no horizonte quando menos se esperar. Abrigar um tigre é como flutuar à deriva sem sair do lugar. É como se sentir desplumado, espectador sem espetáculo, desastrado sem desastre, computador sem dor alguma para computar. Enquanto sobrevivemos eles cavam o ar, prósperos e acessíveis. E quando os tigres invadem as cidades, será que são eles que se humanizam, ou na realidade é a humanidade que se tigrifica?

Quando os grandes prédios dormem. Nas sombras das estátuas; a incerteza é a religião dos tigres. Mas, e o que foi feito das manchas solares? E quantos sonhos vermelhos sustentados por estas garras? Tigres desmoronados atravessam as galáxias. Este é o lugar onde os planetas nascem ao contrário. Raio sem trovão, precipício sem margem, náufrago sem destroços, âncora sem mar. Quando os grandes prédios dormem. Seguir um tigre é como estilhaçar espelhos e não morrer. Não vos admireis se tigres se deitarem na selva de vossos pés. Tigres perpétuos andam soltos pelas jaulas das ruas.

(AGC - 2010)




quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Não somos senão um breviário que nos vêm do infinito do finito do tempo
Ruas são como poéticas em ato, metralhadoras consumidas por cronômetros consumados de loterias em primavera
Cidades são hospícios ao céu aberto, pequenos museus de desmaio
Uma rua se transmuda numa maré secreta de fome e espasmo
Uma rua existe como um rumor, puro ruído de raro observar
Brilham os cimentos dos vencidos: a cidade de cal e sonho envolve a noite numa trapaça – escritas do amanhã talhadas nos ladrilhos do agora
Um sol escuro ilumina os asfaltos cardíacos
A lua mais parece um sorriso de gato
Cães envelhecem pelas esquinas
Poetas seguem a procurar por girassóis em todos os bueiros das ruas

Navalhas sustentam ossos de mel e de breu
Deuses seguem a forjar seus próprios destinos
Pelos cimentos febris prédios vão crescendo em cada músculo
da paisagem desdentada
(Uma rua se funde em outra, o asfalto se funde em rua, ruas se fundem aos avisos luminosos da rua do mundo)

Agora todos nossos nomes já foram apagados dos muros da cidade
Que todo escuro seja tela,
que todo entardecer seja pólen,
que todo beijo seja dodecafônico,
que todos os túneis sejam atravessáveis a pé

Mesmo que uma pedra seja atada nas prateleiras de sangue, ainda assim, principalmente assim, este livro continuará a ser escrito:
Nos mapas da pele e nos silêncios em manutenção,
com letras de raios e margens de sombras,
livro de sombras com letras d’água
Nas páginas de gelo e nas bordas sagradas, este livro seguirá a ser
inscrito em planetas de disfarces e em igrejas de neons,
nas flâmulas em chama e nas bandeiras em fogo,
nos letreiros das obras e no findar das tardes
– flutuantes alvos por piscinas intermináveis

(AGC – 2010)

Em cada leveza, um risco
para o grande girassol todo relógio há de um dia engasgar

Manhã violenta violeta
a lua de dentro de uma orelha

Um sábado de sol num playground em Copacabana
alguém sai do inferno assim como quem sai de um banho de mar]

Esquinas espreitam pelas venezianas
e jornais cospem notícias
– todas as cidades são subjetivas

Cansado de correr pelas maquetes da vida
– os aeroportos não cabem nas telas,
os sonhos não cabem nos cofres

De uma cor suave é a distância
– a janela é só espelho e no avesso dela não atravessa nada?

Um túnel surge dentro de outro túnel,
pedras lusitanas rolam por calçadas de tom grafite

Chafarizes lavam as almas,
mas os mendigos continuam sujos

Pluma poema televisão
o homem não afunda na lua do chão

Caiu do décimo andar e foi beber um chope ali na esquina
Mas, como dizer as coisas simples?

(AGC, 2010)


quarta-feira, 9 de novembro de 2016

TRUMP FASHION WEEK


É como se Cortez, Vespúcio, Américo ou Colombo filmassem tudo. A lua dos românticos virou a lua desastrada dos astronautas. Será fácil ver esse comercial em sua televisão de dor? Lanchonetes servirão mundialmente hambúrgueres de sonhos por pulsos de ketchup. Mais geral será o design sensorial de Andy Warhol com seus móveis flutuantes de gás de hélio e barbantes para serem puxados quando se quiser trazê-los ao chão. Call me Helium. Osho Oxumaré dançará pelas discotecas sem teto do mundo. Um rio fluirá sagrado no filme. Tudo é possível na América.
Quantas vezes você já foi ao inferno neste mês? Faça amizade com sua cidade, abrace um paralelepípedo e beije um edifício, traga a iluminação urbana até você. Não perca tempo. Prove um apartamento estupidamente iluminado. Tire o telefone do gancho e derrote Graham Bell. Seja tão verde quanto uma árvore, pulse, pulse e pulse.... Desfrute da tristeza como um dropes. Pule na margem feminina e produza eternidade. Obesos caminharão lentamente como mulheres grávidas: lindamente intoxicado, o útero dos americanos será o útero mais bonito da vida. A AmorAmérica Airlines mostrará que o avião está dentro de você. E Shiva gritará gol, ou melhor, touchdown!!!!!!!

E agora uma pausa para o intervalo comercial: E então, vamos fumar? Você pode até meditar fumando um cigarro lendário do maior fumante iogue do mundo em sua ioga para os pulmões. A cerimônia linda da fumaça celebrará deus em forma de fumaça, afinal, existem coisas que só o Oriente faz por você. Toda vez que o cowboy da Marlboro aparecer nos intervalos comerciais, um Krishina soltará sua baforada de uma fumaça que desabrochará como uma flor. A cada baforada, uma nova iluminação. Fume no mamilo do cigarro e sinta a benção de leite sutil, volte a ser uma criança amamentada pela nicotina e comece a conversar com os deuses num seio de leite morno de fumaça. O cigarro é o único mamilo que o homem moderno pode ter, brinde com ele e deixe que os cowboys façam o resto nos intervalos comerciais. Seja simpatizante do mel da nicotina celestial Ca-mel. Os cigarros serão seus convidados maternos especiais, celebre a beleza desses dias venenosos. Seja simultâneo na sombra, use o método budista do “dentro/fora”, esteja aberto no intervalo, respire o invisível, sinta o soco que acaba de beijar seu queixo e agradeça pela oportunidade de testemunhar a ferida escondida em você.

Telas se acenderão nas prateleiras da rua. Anjos mais existirão nas chuvas amargas. Anúncios brilharão por viadutos chuvosos. Como os Estados Unidos protestantes da América não possuem santos, nós emprestamos os nossos santos de macumba e candomblé para formar o grande terreiro yankee criado pelos Sete Novos. Ou alguém nega que mesmo os protestantes entram em transe? Marthin Luther King entrou, tantas e tantas vezes, assim como Jimi Hendrix de lá nunca saiu. Call me Helium.
AmorAmérica: um pavor carinhoso, um assombro coberto de amor. Agradeça a barbie e.e. cummings por cada instrução lacrimal. A banana de Andy Wahrol entupiu a goela de Carmen Miranda. Cada poro transpira sua beleza poluída de oceano. Celebre a beleza desses dias venenosos.

As técnicas de vanguarda como a colagem e a bricolagem foram substituídas pelas fascinantes experiências de jardinagem, e é por isso mesmo que o vanguardista Tom Zé as pratica e faz um sucesso tremendo em Manhattan, chamada de Manhatã pelos mais íntimos. Os mercados oferecem vírus orgânicos para serem consumidos pela civilização das felicidades em liquidação. Nesse presente recreativo o que nos resta é bailar aos sons das rajadas de tiros biodegradáveis e retiros dançantes. Um cavalo de ogum monta guarda na NASA. Com o famoso kipá texano, George Bush come sua pipoca de nuvens. Poemas de Maiakovski logo serão vendidos nas lojas de conveniência. Marylin Monroe deglutida pelo caos. Cada poro transpirará sua beleza poluída de oceano. Novos heróis apodrecerão no vento. Graham Bell matará novamente a telepatia. Enquanto isso a mulher mais triste do mundo abrirá suas janelas para chorar seus horrores.

Diferente de 1929, na semana de arte moderna de Wall Street, Mário e Oswald não pensaram em se matar. No mundo das máquinas e dos sons nós somos another brick in the wall of lamentações street. E sobe a trilha, Vangelis! Do stock market operators dream with eletric sheeps? Como o suicídio não faz parte do corolário (Colorado?) e dos bons modos da semana de arte pós-moderna de wall street, a nostalgia de cataclismos (classicismos?) logo estará sendo vendida na gift shop da ONU. Você já experimentou o Well War State? Já foi a Wall Street? Não?! Sousândrade já! Lá ele viu o inferno por semióticas esquinas semiótimas geladas, desbancando a teoria de que o inferno é quente como os trópicos ou triste como a Bahia, ó quão dessemelhante. Vamos fazer uma apologia do calor. Dante pouco entendeu do nono círculo do inferno: se os trópicos são quentes e o calor tem a ver com o pecado, melhor tomar uma vacina de imunização racional contra a síndrome de Dow, Jones! E Nelsinho Rodrigues avisou: em plena Wall Street Sousândrade experimentou uma dilacerada nostalgia do subdesenvolvimento brasileiro. Até as máquinas eram mais tratáveis e sensíveis do que o frio angelical nova-iorquino. E o touro de Wall Street sodomizou todas as vacas da Cow Parade. Bovespa Fashion Week: Totem ou Tabu.

(BOVESPA FASHION WEEK in: AMORAMERICA, 2008, OS SETE NOVOS)

Estados Unidos do Tédio.
Bandeiras invisíveis ajudarão a raiar o teu novo dia.
E já não importará mais em que mundo se irá nascer,
em que pulso se irá pulsar,
em que telhado de zinco o sol irá caber.
Cada falso herói flutuará no meridiano de um elástico devorar,
no paraíso extemporâneo de centelhas acinzentadas e sereias acidentadas.

Mas, e teus museus de radiação?
Estados Unidos da Ilusão.
O rinoceronte de Ionesco que tanto esperamos talvez esteja em nós mesmos, nos próprios espelhos invertidos de esperanças insensíveis.
Não hesitemos; fechemos os olhos para ver a poeira dos anjos.
O cotidiano está sempre atrasado.
Para uma salvação sem santos – o silêncio visual.

Pessoas – altares vivos – veneram a senhora dos disfarces.
Amante da ação, a deusa EUÁ irá deglutir a noite no próximo intervalo comercial.
Há quem confirme que a senhora da invisibilidade virá para implantar o dia do vermelho, azul e branco em todos os terreiros da confederação.
A senhora dos venenos, há quem diga, virá para ressuscitar ruínas.
Suas estrelas serão da mais alta estirpe em matéria de coação.

Falsos poetas da guerra serão os únicos possíveis nesse imenso poema talhado no céu aberto de um efeito poético poluído de sermão.
Sua guerra será parte do lacrimejar de arquiteturas feitas com fumaça e suor.
De Novalis ao Novo México.
Das granadas de cicuta aos inventários urbanos: a realidade sem loucura ou prostituição.
E a poeira dos anjos será nossa migalha permanente contra a imanência da televisão.
Nada é concreto até que desapareça.


(MENSAGEM AOS POETAS DA GUERRA – AMORAMÉRICA, 2008)



ESTADOS UNIDOS DA VERTIGEM

Estados Unidos da Vertigem. Nostálgicos somos nós no meio de um cimento de transcendentes trânsitos. Ruínas e mares altos de areia faíscam nas tempestades; passos de surpresa no precipício da tela. A hot-colored concretism brilha pelos diamantes desafinados das unhas. Afogamos nossas sombras na grande América mãe 66. Seus deuses renascem um a um.
Só acreditamos nos homens que choram. Labirintos de anjos decaídos nos gritam no deserto de silk screens seus riffs de lamentações por beijos soprados. Jazzy crazy keys ecoam no meio-fio de nossas sedes. Ladrões noturnos de belezas procuram as novidades velhas nos jornais: love and theft, amor e roubo.
Essas as freeways siderais de que fala Jean Baudrillard. Esse o cogumelo de Buffalo reinventando o xamanismo: Bumba meu Bull. Esses os pré-modernos inventando o samba – o maneirismo pré-atômico de Tupac Shakur. A tropicália democrática de Cruz & Sousa e Padre Antônio Vieira.
Estrelas explodem pela boca, América. América, tudo porque ainda esperamos pelo dia em que seremos cósmicos. América, reunidos pela vertigem. Que Flash Gordon e Little Richard nos saúdem por sorrisos totêmicos rockin around the universe. Because we have visions instead of televisions.
As fronteiras não dizem tudo que poderiam dizer. Em Sunset Boulevard as línguas das telas de sangue projetam midwests de julgamentos: América e seus mitos em conserva. Compre sua hóstia descartável no hipermercado da cura e veja seus mitos decaindo um a um. Estados Unidos da Vertigem, seus deuses também morrem pelos sinais do corpo. Delicadezas flutuam, e por que não haveriam de flutuar?
Oh, diga, você vê na luz da aurora o que saudamos com orgulho no brilho do crepúsculo? / Esta é a bandeira estrelada! Que ela drapeje sobre a terra dos livres e dos homens valentes. / Conquistar é preciso, quando a causa é justa, e esse é nosso lema: Deus seja louvado! / A chama dos mísseis a brilhar, as bombas rompendo o ar, nos provaram, durante a noite, que nossa bandeira ainda estava lá.

(in: AMORAMÉRICA, OS SETE NOVOS, 2008)



quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Por meio de cimentos febris os prédios vão crescendo em cada músculo da cidade  construções são clarificadas por tiros e retiros de delicadezas
Brilham os cimentos dos vencidos, a cidade de cal e sonho envolve a noite numa trapaça
Ruas são como espelhos, poéticas em ato, delírios de acasos
Não somos senão uma geografia de ruas que nos vêm do Cosmorama dos cronômetros consumados pelo tempo
Escritas do amanhã talhadas nos ladrilhos do agora

As horas seguem a desabar umas sobre as outras diariamente, como deuses a forjar seus próprios destinos
Um sol escuro ilumina os asfaltos cardíacos
No beco dos girassóis as flores são calculadas, as camisas engolem os passantes e os corações não possuem direção hidráulica
Calçadas flutuam soltas pelas salas de deuses sem deus

Na rua do mundo, somos todos espelhos flutuantes, loterias em primavera
Cidades são hospícios ao céu aberto, hospitais para insones, orações mais do que tardias
Enquanto andamos, cada passo se apresenta como um pequeno museu de desmaio
Uma rua se funde à outra, o asfalto se funde em ruas, a rua se funde ao aviso luminoso da solidão que vende mais

E as câmeras, não mentem?
Uma rua se transmuda numa maré secreta de fome e de espasmo
O útero transparente da cidade se desnuda na rua
Uma rua existe como um rumor, puro ruído de raro observar

Como uma oração de cicatrizes, a esquina dos girassóis ascenderá em cada ressaca de futuro
Assim como um poste sabe como acender e um peixe sabe como boiar e uma criança sabe como atear fogo no útero da mãe, a esquina dos girassóis irromperá em alguma esquina sem nome
Os céus irão invadir os planetários

(“Esquina dos girassóis” – AGC – Os tigres cravaram as garras no horizonte [2010])

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Deuses alucinados não deixam a cidade dormir
– O engenheiro quer abolir a noite,
mas nenhum engenheiro jamais abolirá o fato de
a localização poética poder soterrar a localização geográfica

Existem palavras para serem lidas no escuro
Dias estranhos, melhor escapar
Dias admiráveis, aos vencedores: o dia

O cinismo é a sabedoria dos vencedores,
pura estátua nos ponteiros de carne
Muros brilham nas argamassas dos perdedores

Como órfãos da tempestade,
cada planeta carrega o nome de sua pele,
cada placenta traz sua casca gravada
na viva cal das plumagens do cabelo

Dilúvios de Chernobyl,
como sementes para os olhos,
projeções de Monica Vitti

De repente estrelas descem do teto
Intratáveis girassóis entopem tua casa
Girassóis fertilizam a lapela da camisa

A fechadura te alaga
Ela está grávida de sol
O lilás é só para iludir?

Só uma alma de diamantes pode reconhecer outra alma de diamantes
Só o fogo purifica o fogo
A leveza é um peso insustentável


(“Blecaute 2” – AGC – Os tigres cravaram as garras no horizonte [2010])

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

No chão do meio-fio faísca o tigre da linguagem
– seria o tigre da palavra, apenas palavra, sem rugir?
mundo, quais os mapas te prendem?
como tolerar o cemitério dos telefones, os sábados de poeira?
mundo, que janela te desaba?
quem poderia negar seus revólveres de olhos azuis?

A lua mais parece um sorriso sem gato,
heróis envelhecem pela esquina
puros desenhos de edifícios arranham os céus
– um homem com etiqueta de homem se comunica
através da linguagem das flores
estruturas são regurgitadas por gargantas de lâmina;
imagens são feridas pelo cinema

Tudo pode ser combustível para os pássaros solitários
que dançam e dançam e dançam
– pessoas adoram dançar no escuro
cada um aguenta a lua que pode
sempre as mesmas estrelas para os mesmos estômagos
tantos túneis se perdem na cidade

mas, seria o desabrochar de um edifício tão eficaz quanto a engenharia de uma flor?
– todo índice, um símbolo
à cada filme, uma caverna
todo artifício, um pequeno milagre

Cidades são traçadas,
mas arquitetos regurgitam gotas de chuva;
os heróis já podem se retirar

(“Os mapas” – AGC – Os tigres cravaram as garras no horizonte [2010])

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Só é possível estar imerso no acidente:
pelas margens dos seus fios devoro teus sonhos
tomo um porre de astro
uma overdose de galáxia
desligo o telefone
coloco um firmamento no lugar da cabeça

Teleilusão:
câmera na floresta de vertigens
em que um trovador se perde e se salva:
controles remotíssimos:
réguas de ritmo:
mecânicos playgrounds:
dicionários de brinquedo:
rainhas cruéis não me fazem chorar

Luas de sangue confirmam
que em cada átomo de bomba
te invento e te construo
– suas garras me fazem brilhar

A espera desespera
um vestido se espalha no ar
as luas de sangue não sabem
– só se amanhece por um triz

Van Gogh procurou outro amarelo
quando a tarde caiu:
o semáforo marcou azul

(“Em obras” – AGC – Os tigres cravaram as garras no horizonte [2010])

Não somos senão uma geografia de ruas que nos vêm do cosmorama do indeterminado do tempo.
Ruas são como espelhos, poéticas em ato, delírios de acasos.
Ruas são metralhadoras consumidas por cronômetros consumados em calçadas movediças.
Na rua do mundo, somos todos espelhos flutuantes, loterias em primavera.
Cidades são hospícios ao céu aberto, hospitais para insones, orações mais do que tardias.
As câmeras não mentem?

Enquanto andamos cada passo se apresenta como um pequeno museu de desmaio.
Uma rua se funde à outra, o asfalto se funde em ruas, a rua se funde ao aviso luminoso da solidão que vende mais.
Uma rua se transmuda numa maré secreta de fome e de espasmo.
O útero transparente da cidade se desnuda na rua.
Uma rua existe como um rumor, puro ruído de raro observar.
Brilham os cimentos dos vencidos, a cidade de cal e sonho envolve a noite numa trapaça.
Escritas do amanhã talhadas nos ladrilhos do agora.

No beco dos girassóis as flores são calculadas, as camisas engolem os passantes e os corações não possuem direção hidráulica.
Por cimentos febris os prédios vão crescendo em cada músculo da cidade, construções são clarificadas por tiros e retiros de delicadezas.
Um sol escuro ilumina os asfaltos cardíacos.
Calçadas flutuam soltas pelas salas de deuses sem deus.
As horas seguem a desabar umas sobre as outras diariamente, como deuses a forjar seus próprios destinos.

Como uma oração de cicatrizes, a esquina dos girassóis se ascenderá em cada ressaca de futuro.
Assim como um poste sabe como acender e um peixe sabe como boiar e uma criança sabe como atear fogo no útero da mãe, a esquina dos girassóis irromperá em alguma esquina sem nome.
Os céus irão invadir os planetários.

(“Esquina dos girassóis” – AGC – Os tigres cravaram as garras no horizonte [2010])


terça-feira, 4 de outubro de 2016

Pratos e copos já podem se quebrar
sem nenhum escândalo
flor ausente
mar em carne viva
paraíso exterminador

palavras somem pelos guardanapos
janelas e desfolham como bandeiras
olhos transbordam pelas pétalas dos teus pelos

acompanho tuas pegadas como se fossem cidades
todas as manhãs jogo minhas asas mortas
nas águas desguarnecidas de algum mar


Happy and
no museu do infinito 
os passos parecem dançar

Só o vento tece o tecelão da paisagem
Lá fora a multidão continua fria
fria

Desmorona o dia nos andaimes de claridade
Na cidade de cal e sonhos
todos os prédios são sustentados por uma ilusão

O engenheiro viu o mundo turvo
na pavimentação do céu
no vazio vazado das paredes
no pulsar dos muros
no gosto amargo da vitória
na agonia dos vencedores
no monótono troféu

O anzol de rampas e viadutos acaba de cravar seu último raio
Quatro asas flutuam rumo à outra eternidade

(“Lullaby” – AGC – Os tigres cravaram as garras no horizonte [2010])




Palavras são pedras e dias são mapas,
poetas criam sua própria ilha em um oceano de céu

Tudo desaba em um grande oceano de céu,
todos os minutos perdidos se reúnem aqui

As pedras dormem,
o pássaro é o umbigo da paisagem

Enquanto isso a avenida acorda em obscuro delírio,
delicada treva

O homem se torna a fronteira mais tênue,
o poeta esculpe suas sombras,
tudo não passa de um oceano de céu;
esquinas e mais esquinas de abandono

Anjos da destruição professam ao redor
teus espaços sequestrados

Em qualquer queda ou voo teus dados
desesperam o encaixe do mundo

Os desertos ardem,
os braços desenham o caminho

Todos os futuros estranhados se desassombram agora
– os sonhos não cabem nos cofres

Arrepios de jardins além dos muros
clareiam os bustos das estátuas em fina flor

As mãos latem que o corpo é o maior palco da vida,
você bem nos ensinou, mas a quem pertence teu relâmpago?

Escultor de folhas secas,
profeta do fundo do mar

Tuas rochas sustentam o impossível;
as superfícies não têm mais fim

De todas as meias-noites criva teu grande borrão
em um véu tão leve que nem se repara no choro
do grande sossego das coisas

Teus reis se rasgam,
todas as faces se confundirão um dia
na tua solidão plástica

Estamos aqui para assistir você tomar posse da luz,
acolher luz, conquistar luz;
sequestrar Espaços

(“Rainer Maria Rilke” – AGC – Os tigres cravaram as garras no horizonte [2010])



segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Cansado de correr pelas maquetes da vida
Os aeroportos não cabem nas telas
Os sonhos não cabem nos cofres

As pontes são suas,
o coelho desanuviado meu;
a escada se esfacelará em nossas mãos

– Tentei penetrar na pele lodosa da cidade,
mas tudo que vi foi um monstro adormecido

e sorrisos gordurosos
Por onde passei as mulheres me ofereciam
castelos sangrentos e as arquiteturas

mais delicadas dos caminhos
Após sobrevoar insônias turísticas

e as paisagens do coelho generoso,
por esses asfaltos, como morri! –

Quando o engenheiro fica assim logo projeta outra cidade,
cospe alguns relógios que lhe engasgam a existência;
só assim é quase feliz

(“Cidade” – AGC – Os tigres cravaram as garras no horizonte [2010])

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

hoje teu jardim vai morrer de tanto sol
pensa chuva porque hoje não tem chuva
pensa chuva porque tua alma chove
pensa nuvem
pensa chuva porque tua máscara é de sol

tudo anterior no dicionário do teu olhar
crateras de lua germinam para fora da TV
como um oceano caindo numa gota

enquanto isso ela traz pedras atadas no calcanhar
sombras velhas afundam no revólver da memória
aeroportos vazios voam pelo entardecer


a alquimia é tudo que explode a partir daí

(“Alquimia” – AGC – Os tigres cravaram as garras no horizonte [2010])

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

A lua depois da lua (2010)


Passamos todos os carnavais dormindo?
Para onde vai a lua depois da lua?

Mesmo que uma pedra seja atada nas prateleiras sanguíneas,
ainda assim, principalmente assim, este livro continuará a ser escrito
– nos mapas da pele e nos silêncios em manutenção,
com letras de raios e margens de sombras; livro de sombras

Nas páginas de gelo e nas bordas sagradas, um livro seguirá a ser inscrito
em planetas de disfarces e em igrejas de neon,
nas flâmulas em chamas e nas bandeiras em fogo
– um livro com letras d’água –
em letreiros de obras e na lua depois da lua;
flutuantes alvos de aquários intermináveis

Vitrines anunciam rubras lâminas de morfina
Um sol noturno faiscou como um caça-níquel de sombras
Pétalas chovem sobre os cardiologistas
Poetas selvagemente domesticados discorrem que
o único metrônomo possível é o desassombro do coração
– a primavera naftalina,
a paz de um velho mestre do blues

Somos todos parteiros de dilúvios,
morcegos num clarão de ruínas,
desastronautas e eternautas,
lixeiro de diamantes procurando por hospitais

Os tigres cravaram as garras no horizonte,
mas a aurora é de calma;
outros eclipses virão

Cidades caem, mas permanecem as flores;
primaveras crescem por si só


Pelo avesso


Te encontro pelo avesso; nas sombras das estátuas
Os sonhos são ancoradouros do nosso absurdo


Astronautas trazem na pele um sol sonâmbulo; homens de aço
e de treva – a lua dá o eixo por onde se flutuar


Astronautas entregam às feras suas cicatrizes
incandescentes como qualquer manto de pó


Mares se enfurecem sob seus pés
Os assombros incendiarão suas asas


Estas são suas núpcias de fogo; este o mundo de átomos e
de estrelas que despenca para sempre


A incerteza é a religião dos tigres
Seres em chama se alimentam da poeira dos acasos


Mas, e o que foi feito das manchas solares?
E, quantos sonhos vermelhos sustentados por suas garras?


Quando os grandes prédios dormem
Tigres desmoronados atravessam as galáxias
Dinossauros são pedras de escândalo
O vampiro é o rei da escassez
O coro é implacável
Quando os grandes prédios dormem


Este é o lugar onde os planetas nascem ao contrário
– raio sem trovão,
precipício sem margem,
náufrago sem destroços;
âncora sem mar


(AGC - Os tigres cravaram as garras no horizonte [2010])


quinta-feira, 22 de setembro de 2016


PÓLEN



O masculino e o feminino se diluem nas ruas
que são rios de nuvens


Os relâmpagos rugem pelas persianas elétricas,
nas avenidas de sombras magnéticas a nos percorrer


Os cílios tremem com uma lua grava na pele
Quantos óculos escuros cabem numa nebulosa de luva?


O passado espera em gavetas dissonantes e
afunda a cabeça por travesseiros em chamas, pólen


Há pólen no jornal enlatado,
pólen nas doces guitarras e pálidas telas;
pólen nas agressivas estrelas,
pólen nas tragédias grávidas de turbinas e girassóis


(As parabólicas são as mães dos segredos. As buzinas não emocionam mais.)


O dia lê a noite; a lâmpada lê o fósforo;
a estante lê o livro; o dicionário lê o instante;
o grito lê o silêncio

O transe do engenheiro quer abolir a noite e
declarar guerra às flores


Um girassol pode incendiar o incêndio
Um guarda-chuva pode gerar a tempestade
Somos todos máquinas de assombrar o tempo


Por isso mesmo não se deve comer os bilhetes de loteria


(AGC - Os tigres cravaram as garras no horizonte [2010])

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Seres da Tempestade


No intervalo entre 2 quedas,
Numa orquestra dissonante –
encharcada de vida, desalentada de pressa

Projeções & estranhas sensações, 
projetos & essências de jardins erráticos,
paraísos atormentados de sentidos

Em tempos surdos de primaveras desalmadas,
nas 2 escuridões do dia,
nas 2 eternidades da noite

Um nascimento esculpe a luz
de auroras meditadas & editadas
pela selva de uma memória tardia:
pedaços de uma tríplice fronteira,
uma era pós-romântica,
a incerteza quântica

– Os ismos dos anos,
uns quartos alados,
uns óculos escuros,
uns cacos de sargaços,
alguns novos enganos

Desmantelos azuis,
plenos instantes,
esquinas sem volta,
brutos diamantes

– Filósofos e outras aves:
a primavera e seu silêncio enciclopédico;
uns anjos assassinos,
outros exterminadores aos pedaços

Seres da tempestade se movem pela cidade
Seres da tempestade já não sentem saudade,
Inimigos da vaidade, marítimos da raridade;
a lua &o blues alumbram Seres da Tempestade


(AGC 2016; poema escrito sobre série de Mario Wagner; http://www.mario-wagner.com/ART-COM )





Piscando com os punhos (poemas de Billy Corgan traduzidos por Augusto Guimaraens Cavalcanti).

Pense nos pássaros em voo e você irá começar a se aproximar /Como as faces veem da escuridão familiar /Para cumprimentá-lo novamente / Eles arrancam as cordas e cantam os refrões que eu conheço tão bem, e mantenho tão perto. Ao longo dos suaves rios e verdes vales até chegarmos à beira do vasto oceano / O maior mar que se pode imaginar e mais/ Levante sua mão e deixe os pássaros voarem com essa música doce / Velozes nós voamos por sobre as águas /Cada vez mais rápidos até aclararmos, e nossas palavras se iluminarem, e as memórias das coisas perdidas se clarificarem também / O sol alça voo / Imagine isso do ponto de vista do sol / Essas aves e o que se move à velocidade da luz sobre o azul / Bem, se você fosse o sol, iria rir muito! /Finalmente, depois de uma viagem tão momentosa /Você desacelera em uma ilha deserta, exuberante como a vida /E em sua terra estéril você encontrará o peito de mar de um baú usado /Polido pelos anos de grosseira manipulação/ Abra esta caixa e você irá encontrar no interior /Uma única cavidade e a poesia do meu coração / Arrastando esta caixa de mar ao redor da curva /Através da areia em uma selva densa, com flores e sombras / Nós tomamos o caminho esquecido até a encosta /Até à direção do sol a sorrir /Recolhendo sua sabedoria, e sua dádiva /Passado o fantasma que sussurra as relíquias de um outro passado / Escalamos para o topo / Porque o tempo não vai ficar parado por nós / Mas ele irá fingir de vez em quando / E aqui, esquecidos, somos só você, eu / Um peito de mar, segurando uma única noite dos namorados e a poesia dos nossos corações / Uma única lâmpada de luz nesta sala/ É escuro aqui o tempo todo / Se o teto havia capturado apenas os meus sonhos e pesadelos semelhantes, / Que histórias poderia mostrar / Ela está aqui, a única que eu amo, desejo, concebo, resgato, tudo para a própria tristeza do meu coração/ Estou perdido nesta sala, mas este é o lugar onde os corações são escritos / A vista do meu maior pensamento e infeliz canção / Não há pássaros aqui para alçar vôo / Nenhum oceano para sobrevoar, nenhuma ilha para chegar / Nenhum sol para me surpreender chorando /Este é o dom do esquecimento e sua opaca dança / Revelando agora a poesia do meu próprio peito / a sua tristeza e seu desejo sem nome que uma vez chamei de felicidade / Despojado de seu título e dopado para mostra / As lâmpadas bailam, as crianças cantam/ O galo cacareja e eu procuro dormir / Em algum lugar do passado as cicatrizes, os carros vazios e os bares intermináveis cheios de lembranças / Eu quero subir a partir deste buraco / E traçar uma fuga eu mesmo por cima das rochas abaixo / Porque um pulo necessita de intenção / E a intenção exige desejo / Para registrar desejo neste órgão chamado necessidade /Você precisa de mim? /Então me empurre mais, meu peito e meu mar / As aves vão me seguir / Refaça os passos, até ao limite máximo / Volte com a lâmpada, com os fios elétricos / Eletrizados bem para fora de Manhattan /Saindo por um outro lado / Para a direção de uma criança, de um sonho /Um peito rabiscado com um x, e que a verdade seja dita com raiva/ Revelando agora a poesia do meu coração / E as copas que pintam nos baralhos / Os desenhos das molduras / E sua gaiola real, eu

Um poema, se quiser: Ondas suaves raiam fora do alcance Tudo que eu respiro é meu Meu nome é somente uma casca a ser retirada lentamente como a pele das questões formais Lentamente do meu sexo eu embaralho os sindicatos de oferta As vozes silenciadas estão aqui, mas eles já estão saciados pela espera total por um tropeço Isso certamente deve vir “neste momento”, alguém declara em voz alta (na praça anônima) “desta vez não haverá nenhum tropeço” E a multidão, em uníssono entra descontroladamente em erupção, “Enquanto eu durmo eles vêm em pares para tapar minha cabeça e me ensinar aquele verso antigo que tento lhes dizer por toda minha vida redundante Ao colocar o dedo no meu templo para mostrar sabendo Com hematomas e cicatrizes Eu estou piscando com meus punhos As linhas do coro se alinham para cantar Uma respiração profunda, pronta para começar Tudo que eu respiro é meu Um bebê chorando quebra o silêncio Segue o riso constrangedor, a fim de sinalizar a " ordem divina", diz alguém caindo das chaminés, através das veias, membros são jogados para fora das obras desenhadas na sujeira, as figuras são retratadas em um impressionante ato de repouso pelos seus pulsos que ainda estão piscando

Do livro Blinking with fists (2004)

Da Eterna

Se a solenidade, a postura douta, as estátuas e as ruas com sobrenomes fossem proporcionadas ao pensar profundo, quão pouco dessa estofa haveria: o viver não precisaria de tanta paciência nem abundaria tanta tentação de uma vileza em troca de celebridade. Por enquanto, a profusão de estátuas, aniversários, volumes de história, sobrenomes de esquina e escritos da segura virtude fazem muita suspeita essa sociedade da perdoável pobre gente que somos todos; os sobressalta notar tanto trabalho dos homens por parecerem bons, numa civilização tão apaixonada pelas fechaduras Yale e pelos bons modos, armadilha para adoecer vítimas. Cidades de melhor gosto teriam ruas chamadas de Chuva do Despertar, o Caminho Orvalho cruzado pela avenida do “Homem Não Idêntico”. (...). Cumpriu-se a beleza da não História; foram suprimidas as homenagens a capitães, generais, advogados, governadores, nas quais não se recorda o nome de nenhuma magnífica obra desnorteada de vida; (...) Praças e parques com os nomes das máximas vivências humanas, sem sobrenomes; (…). Foram deportadas todas as estátuas que enlutam as praças, e seu lugar foi ocupado pelas melhores flores; apenas se substituiu a de José de San Martín por uma simbolização do “Dar e Partir”. Enfim, na cidade presentista algo fez o tempo não transcorrente, como a história, e sim um Presente fluído, com memória só do que volta cotidianamente a ser, não do que não se repete, como os aniversários. Por isso o almanaque da cidade tem 365 dias de um só nome: “Hoje”, e a avenida principal se chama também “Hoje”. (...) A cidade se deslocou sobre seu eixo girando seu perímetro alguns centímetros. (...) De volta à estância “O Romance”, davam-se os bons-dias. Mas a Eterna voltou à noite para Buenos Aires, e eu sei para quê. Para atribuir às duas Praças Centrais os nomes da “Cidade sem Morte” e “Dos Homens Não Idênticos”; essas denominações se completavam na ligação de uma Praça com a outra. (O não idêntico está isento de morte.)
(Macedonio Fernández, Museu do romance da Eterna, 1967)


quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Os cem sóis de Maiakóvski

Já que nos últimos dias têm sido evocados poemas de Maiakóvski, aqui o meu preferido dele; os cem sóis de Maiakóvski: "Brilhar para sempre, / brilhar como um farol, / brilhar com brilho eterno, / gente é para brilhar, / que tudo mais vá pro inferno, / este é o meu slogan / e o do sol."


A tarde ardia em cem sóis
O verão rolava em julho.
O calor se enrolava
no ar e nos lençóis
da datcha onde eu estava,
Na colina de Púchkino, corcunda,
o monte Akula,
e ao pé do monte
a aldeia enruga
a casca dos telhados.

E atrás da aldeia,
um buraco
e no buraco, todo dia,
o mesmo ato:
o sol descia
lento e exato
E de manhã outra vez
por toda a parte
lá estava o sol
escarlate.
Dia após dia
isto começou a irritar-me
terrivelmente.

Um dia me enfureço a tal ponto
que, de pavor, tudo empalidece.
E grito ao sol, de pronto:
¿Desce!
Chega de vadiar nessa fornalha!
E grito ao sol:
¿Parasita!
Você aí, a flanar pelos ares,
e eu aqui, cheio de tinta,
com a cara nos cartazes!

E grito ao sol:
¿Espere!
Ouça, topete de ouro,
e se em lugar
desse ocaso de paxá
você baixar em casa
para um chá?
Que mosca me mordeu!
É o meu fim!
Para mim
sem perder tempo
o sol
alargando os raios-passos
avança pelo campo.
Não quero mostrar medo,
Recuo para o quarto.
Seus olhos brilham no jardim.
Avançam mais.
Pelas janelas,
pelas portas,
pelas frestas
a massa solar vem abaixo
e invade a minha casa.
Recobrando o fôlego,
me diz o sol com a voz de baixo:
¿Pela primeira vez recolho o fogo,
desde que o mundo foi criado.
Você me chamou?
Apanhe o chá,
pegue a compota, poeta!
Lágrimas na ponta dos olhos
- o calor me fazia desvairar, eu lhe mostro
o samovar:

¿Pois bem,
sente-se, astro!
Quem me mandou berrar ao sol
insolências sem conta?
Contrafeito
me sento numa ponta
do banco e espero a conta
com um frio no peito.
Mas uma estranha claridade
fluía sobre o quarto
e esquecendo os cuidados
começo pouco a pouco
a palestrar com o astro.

Falo disso e daquilo,
como me cansa a Rosta,
etc.
E o sol:
¿Está certo,
mas não se desgoste,
não pinte as coisas tão pretas.
E eu? Você pensa
que brilhar é fácil?
Prove, pra ver!
Mas quando se começa
é preciso prosseguir
e a gente vai e brilha pra valer!¿

Conversamos até a noite
ou até o que, antes, eram trevas.
Como falar, ali, de sombras?
Ficamos íntimos,
os dois.
Logo,
com desassombro
estou batendo no seu ombro.

E o sol, por fim:
¿Somos amigos
pra sempre, eu de você,
você de mim.
Vamos, poeta,
cantar,
luzir no lixo cinza do universo.
Eu verterei o meu sol
e você o seu com seus versos.

¿O muro das sombras,
prisão das trevas,
desaba sob o obus
dos nossos sóis de duas bocas.
Confusão de poesia e luz,
chamas por toda a parte.
Se o sol se cansa
e a noite lenta
quer ir pra cama,
marmota sonolenta,
eu, de repente,
inflamo a minha flama
e o dia fulge novamente.

Brilhar para sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno;
Gente é pra brilhar.
Que tudo o mais vá pro inferno,
este é o meu slogan
e o do sol.


("A extraordinária aventura vivida por Vladimir Maiakóvski no verão na Datcha". Poema escrito em 1920, ano da maior medição de calor na Rússia em todo século XX, ao que o poeta descobriu que seu lema era o mesmo do sol; ao que o poeta convida o sol para beber 1 chá.) [Tradução: Augusto de Campos]