quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Não somos senão um breviário que nos vêm do infinito do finito do tempo
Ruas são como poéticas em ato, metralhadoras consumidas por cronômetros consumados de loterias em primavera
Cidades são hospícios ao céu aberto, pequenos museus de desmaio
Uma rua se transmuda numa maré secreta de fome e espasmo
Uma rua existe como um rumor, puro ruído de raro observar
Brilham os cimentos dos vencidos: a cidade de cal e sonho envolve a noite numa trapaça – escritas do amanhã talhadas nos ladrilhos do agora
Um sol escuro ilumina os asfaltos cardíacos
A lua mais parece um sorriso de gato
Cães envelhecem pelas esquinas
Poetas seguem a procurar por girassóis em todos os bueiros das ruas

Navalhas sustentam ossos de mel e de breu
Deuses seguem a forjar seus próprios destinos
Pelos cimentos febris prédios vão crescendo em cada músculo
da paisagem desdentada
(Uma rua se funde em outra, o asfalto se funde em rua, ruas se fundem aos avisos luminosos da rua do mundo)

Agora todos nossos nomes já foram apagados dos muros da cidade
Que todo escuro seja tela,
que todo entardecer seja pólen,
que todo beijo seja dodecafônico,
que todos os túneis sejam atravessáveis a pé

Mesmo que uma pedra seja atada nas prateleiras de sangue, ainda assim, principalmente assim, este livro continuará a ser escrito:
Nos mapas da pele e nos silêncios em manutenção,
com letras de raios e margens de sombras,
livro de sombras com letras d’água
Nas páginas de gelo e nas bordas sagradas, este livro seguirá a ser
inscrito em planetas de disfarces e em igrejas de neons,
nas flâmulas em chama e nas bandeiras em fogo,
nos letreiros das obras e no findar das tardes
– flutuantes alvos por piscinas intermináveis

(AGC – 2010)

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