quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Não somos senão uma geografia de ruas que nos vêm do cosmorama do indeterminado do tempo.
Ruas são como espelhos, poéticas em ato, delírios de acasos.
Ruas são metralhadoras consumidas por cronômetros consumados em calçadas movediças.
Na rua do mundo, somos todos espelhos flutuantes, loterias em primavera.
Cidades são hospícios ao céu aberto, hospitais para insones, orações mais do que tardias.
As câmeras não mentem?

Enquanto andamos cada passo se apresenta como um pequeno museu de desmaio.
Uma rua se funde à outra, o asfalto se funde em ruas, a rua se funde ao aviso luminoso da solidão que vende mais.
Uma rua se transmuda numa maré secreta de fome e de espasmo.
O útero transparente da cidade se desnuda na rua.
Uma rua existe como um rumor, puro ruído de raro observar.
Brilham os cimentos dos vencidos, a cidade de cal e sonho envolve a noite numa trapaça.
Escritas do amanhã talhadas nos ladrilhos do agora.

No beco dos girassóis as flores são calculadas, as camisas engolem os passantes e os corações não possuem direção hidráulica.
Por cimentos febris os prédios vão crescendo em cada músculo da cidade, construções são clarificadas por tiros e retiros de delicadezas.
Um sol escuro ilumina os asfaltos cardíacos.
Calçadas flutuam soltas pelas salas de deuses sem deus.
As horas seguem a desabar umas sobre as outras diariamente, como deuses a forjar seus próprios destinos.

Como uma oração de cicatrizes, a esquina dos girassóis se ascenderá em cada ressaca de futuro.
Assim como um poste sabe como acender e um peixe sabe como boiar e uma criança sabe como atear fogo no útero da mãe, a esquina dos girassóis irromperá em alguma esquina sem nome.
Os céus irão invadir os planetários.

(“Esquina dos girassóis” – AGC – Os tigres cravaram as garras no horizonte [2010])


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