terça-feira, 1 de agosto de 2017

Não, talvez o tempo não passe mesmo da palavra tempo
adormecida numa lâmina desmedida
de carnes indizíveis

Branca fosse a página, mais agudo seria o dia,
mais lenta seria a paisagem,
mais amargo seria amar

Aqui as flores são de sangue,
blood flowers,
desconfie das flores

Amantes carregam ímãs voltados para o acaso
dos desencontros, para que a rua noturna
se fixe na placa sensível do dia

Um astronauta advinha o vinho provindo da garganta
a anunciar a próxima primavera convulsa;
dois abismos fabulam entre si

Eva sem treva carrega o tédio dos astronautas em si,
traz a vertigem de um oceano em cada olhar
Seria tudo travessia?

Ainda que nossas peles não fossem exatamente
livros de viagem, 
ainda assim,
o caroço morto de uma estrela
renascia e brilhava através da alegria
amarga de um sol

Éramos precários acidentes
Representávamos a menor palavra faiscando
na geometria do olho

Éramos ossos germinando ossos
Éramos sonhos em movimento
Carregávamos escombros de diamantes
Éramos bibliotecas de carne


["Bloodflowers" in: Máquina de fazer mar (7Letras, 2016); AGC]

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