Do corpo só irá
ficar o arrepio – ela dizia –, enquanto
era no
contrapelo de sua pele que cresciam os tigres,
seus tigres
todos à espreita como um câncer bom
Em sua sala de
chuva ela fazia nascer as frutas
antes de
qualquer chuva, paisagens surgiam
de suas sombras rumo
à melancolia de outro azul
Medusa urbana
trazia nos olhos um laboratório
de estranhezas, seus
lábios de chumbo derretido
espelhavam uma
estranha simetria de luzes
Tudo que não era treva fulgurava
no far west de
seu tédio,
por debaixo da
sombra de algum deus
Pequenos crimes
de amor e algumas ilhas turvas
atravessavam as
janelas anônimas dos olhos
A glacialidade
bruta de um beijo dissolvia os mapas e
os ponteiros
grudados na epiderme das paredes
A geografia quântica
de suas unhas arranhava
e ampliava o sol
da meia-noite
Flores eram
germinadas por suor e susto,
o céu ainda
tinha a cor das suas unhas
Era preciso ter
a sede dos afogados,
ser invadido por
este azul, pela melancolia do azul
Quanto mais se
vivia, menos se morria
E
todo o resto era literatura
("A melancolia do azul" in: Máquina de fazer mar, 7Letras, 2016; AGC)
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