Se a solenidade, a postura douta, as estátuas e as ruas com
sobrenomes fossem proporcionadas ao pensar profundo, quão pouco dessa estofa
haveria: o viver não precisaria de tanta paciência nem abundaria tanta tentação
de uma vileza em troca de celebridade. Por enquanto, a profusão de estátuas,
aniversários, volumes de história, sobrenomes de esquina e escritos da segura
virtude fazem muita suspeita essa sociedade da perdoável pobre gente que somos
todos; os sobressalta notar tanto trabalho dos homens por parecerem bons, numa
civilização tão apaixonada pelas fechaduras Yale e pelos bons modos, armadilha
para adoecer vítimas. Cidades de melhor gosto teriam ruas chamadas de Chuva do
Despertar, o Caminho Orvalho cruzado pela avenida do ‘Homem Não Idêntico’.
(...). Cumpriu-se a beleza da não História; foram suprimidas as homenagens a
capitães, generais, advogados, governadores, nas quais não se recorda o nome de
nenhuma magnífica obra desnorteada de vida; (...) Praças e parques com os nomes
das máximas vivências humanas, sem sobrenomes; (…). Foram deportadas todas as
estátuas que enlutam as praças, e seu lugar foi ocupado pelas melhores flores;
apenas se substituiu a de José de San Martín por uma simbolização do ‘Dar e
Partir’. Enfim, na cidade presentista algo fez o tempo não transcorrente, como
a história, e sim um Presente fluído, com memória só do que volta
cotidianamente a ser, não do que não se repete, como os aniversários. Por isso
o almanaque da cidade tem 365 dias de um só nome: ‘Hoje’, e a avenida principal
se chama também ‘Hoje’. (...) A cidade se deslocou sobre seu eixo girando seu
perímetro alguns centímetros. (...) De volta à estância ‘O Romance’, davam-se
os bons-dias. Mas a Eterna voltou à noite para Buenos Aires, e eu sei para quê.
Para atribuir às duas Praças Centrais os nomes da ‘Cidade sem Morte’ e ‘Dos
Homens Não Idênticos’; essas denominações se completavam na ligação de uma
Praça com a outra. (O não idêntico está isento de morte.)
(Macedonio Fernández, Museu do romance da
Eterna, 1967).
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