segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Não como o gigante bronzeado de grega fama,
Com pernas abertas e conquistadoras a abarcar a terra
Aqui nos nossos portões banhados pelo mar e dourados pelo sol, se erguerá
Uma mulher poderosa, com uma tocha cuja chama
É o relâmpago aprisionado e seu nome
Mãe dos Exílios. Do farol de sua mão
Brilha um acolhedor abraço universal; 
Os seus suaves olhos comandam 
o porto unido por pontes que enquadram cidades gêmeas.
“Mantenham antigas terras sua pompa histórica!” grita ela
Com lábios silenciosos "Dai-me os seus fatigados, 
os seus pobres,as suas massas encurraladas 
ansiosas por respirar liberdade,
O miserável refugo das suas costas apinhadas.
Mandai-me os sem abrigo, 
os arremessados pelas tempestades,
Pois eu ergo o meu farol junto ao portal dourado!"

Emma Lazarus, 1883, “The New Colossus” 


quarta-feira, 12 de setembro de 2018


Se a solenidade, a postura douta, as estátuas e as ruas com sobrenomes fossem proporcionadas ao pensar profundo, quão pouco dessa estofa haveria: o viver não precisaria de tanta paciência nem abundaria tanta tentação de uma vileza em troca de celebridade. Por enquanto, a profusão de estátuas, aniversários, volumes de história, sobrenomes de esquina e escritos da segura virtude fazem muita suspeita essa sociedade da perdoável pobre gente que somos todos; os sobressalta notar tanto trabalho dos homens por parecerem bons, numa civilização tão apaixonada pelas fechaduras Yale e pelos bons modos, armadilha para adoecer vítimas. Cidades de melhor gosto teriam ruas chamadas de Chuva do Despertar, o Caminho Orvalho cruzado pela avenida do ‘Homem Não Idêntico’. (...). Cumpriu-se a beleza da não História; foram suprimidas as homenagens a capitães, generais, advogados, governadores, nas quais não se recorda o nome de nenhuma magnífica obra desnorteada de vida; (...) Praças e parques com os nomes das máximas vivências humanas, sem sobrenomes; (…). Foram deportadas todas as estátuas que enlutam as praças, e seu lugar foi ocupado pelas melhores flores; apenas se substituiu a de José de San Martín por uma simbolização do ‘Dar e Partir’. Enfim, na cidade presentista algo fez o tempo não transcorrente, como a história, e sim um Presente fluído, com memória só do que volta cotidianamente a ser, não do que não se repete, como os aniversários. Por isso o almanaque da cidade tem 365 dias de um só nome: ‘Hoje’, e a avenida principal se chama também ‘Hoje’. (...) A cidade se deslocou sobre seu eixo girando seu perímetro alguns centímetros. (...) De volta à estância ‘O Romance’, davam-se os bons-dias. Mas a Eterna voltou à noite para Buenos Aires, e eu sei para quê. Para atribuir às duas Praças Centrais os nomes da ‘Cidade sem Morte’ e ‘Dos Homens Não Idênticos’; essas denominações se completavam na ligação de uma Praça com a outra. (O não idêntico está isento de morte.)
(Macedonio Fernández, Museu do romance da Eterna, 1967).