Veste teu
manto de loucura e sai pela noite. Sai pela noite porque tudo é tão misterioso.
Que todas tuas ilusões perdidas são só algum brilho desvairado. Ri do teu
próprio ser atropelado, mas que a noite é tua. A barba que te cerra o rosto é o
destino vestido dentro de cada olhar. Como uma estrela desgovernada.
Teus medos,
tua parafernália de exageros. Que a noite é tua loucura, tuas utopias
despedaçadas. De claridades noturnas você sai por aí como um lobo atrás da
caça. Teus segredos se desfazem, mas tudo permanece em aberto. E você nem nota
que a sarjeta é tua liturgia, bela pulsação de delírios.
Tira estas
roupas que incomodam tua existência e anda com teus pés descalços. Que tudo que
sobrou foi uma música tocando baixinha, uma música que talvez nem exista mais.
Pisa de leve sobre tais ruínas. Quem sabe assim pelo menos a noite possa parar
de morrer.
Coloca tua
máscara, anda com tua classe de príncipe sobre teu reino depredado. Tira este
relógio da parede, utiliza teu relógio imaginário. Recolhe tuas migalhas, veste
tua capa de abismo. Veste teu manto de loucura e sai pela noite. E quem sabe
desse jeito, um dia, a noite possa parar de morrer...
[De “Poemas para se ler ao
meio-dia” (2006, 7Letras)].
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