Como diria meu primo, assim é o futebol, o mais ilógico dos esportes,
fundamentado não numa lógica, mas numa mitológica. A precisão cirúrgica
não existe no ludopédio bretão e, até por isso, o futebol é o jogo mais
surpreendente do planeta. O futebol está mais para o jogo de azar do que
para o esporte e, por isso mesmo, é o jogo mais popular do planeta. Por
exemplo, quem imaginaria que a Costa Rica seria o primeiro colocado em
seu grupo? Ou quem poderia jamais imaginar que a campeã Espanha perderia
de 6 a 1, logo em sua primeira partida da Copa.
Bom, mas de qualquer forma, nem o o mais apocalíptico dos críticos do
selecionado brasileiro imaginaria um estrondoso 7 a 1 em plena Belo
Horizonte e, para um cenário mais insólito ainda, para uma Alemanha
trajando cores rubro-negras numa jogada de marketing da marca esportiva
germânica da Adidas. Na verdade, a Alemanha só possui o primeiro
uniforme fixo na cor branca, a segunda camisa alemã é itinerante e muda a
cada Copa. Neste torneio realizado em terra brasilis de Pindorama,
talvez o escrete alemânico tenha escolhido pela camisa do clube mais
popular do país não so por marketing pessoal, mas também para adicionar
mais inesperados contornos ficcionais em um quadro em que a seleção
canarinho jogaria contra uma Germânia vestida de Flamengo numa
semi-final tão doce quanto limão. O certo é que a hecatombe do 7 a 1
ficará marcada nos anais da História com H, assim como também
atormentada historicamente ficará a comissão técnica comandada pelo rio
platense Luiz Felipe Scolari. Ainda, para “melhorar”, o Brasil levou
outro passeio do selecionado batavo por 3 a 0, com a Holanda jogando
contra uma inerte seleção brasileira.
Certa vez ouvi um anedotário popular que dizia que técnico é igual a
dono de sauna, já que ambos vivem do suor alheio. Não sei se concordo
totalmente com tal afirmação, já que existe, ao menos para mim, a clara
diferenciação entre técnicos, incentivadores e estrategistas. Para mim,
atualmente, Scolari se localiza no limiar entre o incentivador e o
treinador de rachões. De qualquer forma, o fatídico 7 a 1 deixará
cicatrizes no renomado futebol nacional, ainda que tal placar
dificilmente se repita em uma outra semi-final de Copas do Mundo. Até
por isso, pelos seus momentos incertos e fortuitos,
definitivamente o futebol é o mais irracional e imprevisível dos
esportes e, por isto mesmo, o mais assitido ao redor do globo.
Sim, a Copa mais ficcional de todos os tempos chegou ao seu final
em pleno ano enigmático de 2014. Espero que o que seja lembrado em um
torneio mundial como este é que uma nação é reiteradamente composta por
uma mistura de lembranças e esquecimentos em comum. Não existe nenhuma
nação em si ou nenhuma nação substantiva e unívoca. Sendo assim, o que o
nacionalismo mais costuma ensinar aos homens é a ficarem orgulhosos por
algo que não fizeram e a odiarem pessoas que nunca encontraram. Nesse
sentido, é sempre bom lembrar que, quando os astronautas nos olham de
cima, não existem fronteiras bem demarcadas entre um país e outro. Para
os astronautas, somos todos mais terráqueos do que terratenentes. É tudo
uma questão de perspectiva. Tudo uma questão de manter em aberto as
margens ficcionais entre os países constitucionais e os países que se
reinventam todos os dias; países cujas únicas fronteiras possíveis são
formadas por nuvens. Como bem diria o poeta Cláudio Willer: “Não existem
as cidades, são nossas viagens que criam roteiros-mapas de superfícies
luminosas. As cidades não existem, só os encontros são reais, as
prolongadas conversas capazes de transformar qualquer lugar em praia
deserta ao anoitecer”.
Por fim, mas não por último, termino aqui este texto (tão futebolístico
quanto mais imaginário) com uma edificante citação do não menos
magnífico Radamés Stepanovicinsky, o maior bulgarólogo de todos os
tempos que vaticina: “Fim do longo, o inútil assombra. A mesma esperança
que não se deu se escombra, prolixa...A vida não passa de um mendigo
bêbado que estende a mão à sua própria sombra. Dormimos o universo. A
extensa massa da confusão das coisas nos enlaça de sonhos. Enquanto
isso, a ébria confluência humana desguarnecida e desabitada ecoa-se, de
raça em raça, de deserto em deserto, de escombro em escombro. Somos
todos reais, excessiva e inesperadamente reais !”
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