Para muitos já não teve Copa, para outros vai ter Festa. O Brasil é o nosso grande abrigo abismo. De repente é aquela corrente fluente que ruma para afluentes fortuitos por onde surgem estádios futuristas brotando do chão. Tudo à la José Agrippino de Paula; nada mais, nada menos. Nos gramados virtuais da linguagem é que surge a felicidade feroz dos deuses léxicos que alimentam as chuvas dos dicionários. O futebol surge dos escombros de nossos desejos; cada drible pode inaugurar uma nova amplidão. Do complexo de vira-lata à pátria de chuteiras, caminhamos. Nós e nossos inconstantes dinamismos vitais. Transversalidades abertas pela escrita. Corpos se movimentam por mudanças. Até parece que todo o Brasil deu a mão, só que contra a FIFA.
O ritual de abertura da Copa realizado no Itaquerão foi, no mínimo, grotesco. A música “We are one” (cantada por Jennifer Lopez, chamada pelos americanos de “J.Lo”, Cláudia Milk e Pittbull) bem poderia se chamar “We are none”. O espetáculo performático foi dirigido por uma belga chamada Daphne Cornez sob a tutela do TVFIFA.
O genial Eugênio Ionesco, especialista na arte do absurdo no pior dos piores de seus dias de cólera não teria imaginado uma cena tão insossamente catastófrica. O franco romeno Ionesco, aliás, era especialista na arte de mostrar o quanto o ser humano é, em essência, impalpável e absurdo. O absurdo de Ionesco é um absurdo refinado em comparação com o show de abertura da Copa brasileira e todo o superfaturamento exultante referente aos estádios que foram costruídos para se adequarem ao padrão FIFA. O problema é que, se depender da FIFA e de seus padrões, estaremos todos fadados a termos nossos imaginários colonizados por tristes aldeias globais e, anestesiadamente, multiculturais. Ao que depender do mainstream FIFA o mundo terá esta noção pasteurizada de um país a carregar um exotismo a cada milésimo de segundo.
Provavelmente, nos próximos séculos, muitos escafandristas da História com H escreverão sobre a Copa que, teve e que não teve, no distante ano de 2014. Espero que tais escafandristas (mergulhadores de ruínas vivas) se lembrem das longas terras de índios ferozes sem Idílios, índios de terras faladas de estranhas divindades e brutas chuvas; índios de inconstantes almas selvagens que não se deixam escravizar.
[texto publicado inicialmente no site Ornitorrinco: ornitorrinco.net.br]www.ornitorrinco.net.br/2014/06/a-mais-ficcional-das-copas-parte-1.html
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