Mar germinado,
tonto e sensual, como um novo continente
de tonturas tombadas pelo chão. Delírios
maquinais do mar. O
mar não tem cabelos por onde se segurar, não tem. Por isso toda navegação nasce
do espanto. O dessassossego da falta de bordas, suas fronteiras flutuantes e
ilhas oscilantes, nada pode ser estático no mar. Por isso todo descobridor é
também um navegador ondulante, flutua por onde se deveria afundar, sobrenada e
reluz das entranhas do mar, submerge das vísceras do fundo. Toda navegação
nasce do espanto. O mar não tem cabelos
por onde se segurar, não tem.
.
Somos todos tripulantes de uma calcinação clara e brilhante, até os pássaros nadam
neste mar suspenso. Asas incham em nossos corpos, esfolando as nuvens desta
manhã. Um amor de ferimentos sutis vai sendo construído na cidade sem luas, sem
nomes e sem datas. Um amor suave como os vidros que sobraram dos transbordamentos
pelos oceanos da avenida principal. Como barcos fora de equilíbrio, alagamentos
de ilhas, inundações de estátuas, livros sobre o peito, um homem sem sombra reaprendendo
a nadar, retraído como um tigre,
seus navios caseiros estão prontos para navegar pelas calçadas. A elegância dos acidentes nos surge como uma
forma de equilíbrio, como vulcões que se
refletem nas palavras sem dicionários, como pregos a perfurar horizontes,
garras cravando seus mergulhos no ar. Como sementes de pavimentação, luas de látex, como venenos de veludo
invertendo as nascentes do sol. Asas de navalha nos crescem por de dentro da
pele. Nós nascemos.
.
E
para que medir a cidade com os passos? A cidade não se mede com mapas, mas sim
através de olhos castanhamente abertos como duas plumas sobrevoando qualquer
deserto. Ruas brotam
dos quartos. Os zeros são só para disfarçar. Homens transparentes saem todos
os dias das trevas do metrô em busca de luz: os humilhados dos parques com os
seus jornais, esses alguéns que limpam diariamente os porões escuros das
luminosidades. Distraidamente, um homem sem sombra carrega suas paisagens
furtadas nos bolsos, as mastigará nas primeiras horas de um janeiro qualquer,
sem um reflexo a mais a lhe perturbar ou a lhe pesar, é que talvez quem está no
escuro brilhe mais.
.
Nenhum
dia é belo como a noite é bela, como o sol que se apaga nos horizontes dos
aeroportos e em seguida vem se inflamar na pista de pouso dos corredores e dos prédios. Sol incendiado
nas avenidas adormecidas, transportado pelas correntezas até as nossas casas. A noite é tão bonita como o dia escurecendo horizontes
só para depois submergir nas salas de voo, nestas possibilidades latentes
trazidas pelas correntes, com suas marés de anis distantes faiscando na
alma de um homem sem sombra, homem da máscara despida no meio da mais remota
das praças. Ausente, sem máscara do refúgio, homem
azul atravessando pontes, levando em sua sacola toda sua coleção de paisagens
roubadas.
.
Talvez nem os céus caibam nos planetários. Talvez as pernas recolham seus
próprios passos, talvez as luas mais precárias
sejam aquela que paire bem longe da tristeza dos felizes.Sem câmera não
há mito. Daqueles dias só nos sobram as nossas
cascas, nossos apartamento de chuva,
nossos poemas engarrafados por carros congestionados lançados aos oceanos
contaminados de asfalto. As pessoas aprisionadas
nas fotografias até pareciam reais. Mas como explicar a explosão de uma
estrela?
.
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