segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Entre o abismo e o abrigo, casa é
uma pálpebra que treme

O rumor de suas ondas se mantém presente
pelas conchas dos ouvidos de quem pensa que a habita

Uma casa escondida num cofre,
uma casa atada ao naufrágio de qualquer solução,
a Rua do Mundo presa na vulva de sua Casa;
uma casa em permanente expansão

A casa e sua geometria labiríntica,
a casa que não abriga,
a cidade e suas infindáveis serpentes de concreto,
a casa suporta o mundo e suas inesgotáveis chuvas oblíquas

Casas sonolentas assistem ao estranho vagar dos dias,
casas mal vividas,
margens de despidas engrenagens,
máquinas eficientes de viver

A casa respira e se distende
rumo à ampliação de sua simetria
A casa não se limita,
o crescimento interno da casa não se deixa sentir

Casas aladas são esboços de um coração que ainda baterá
A casa concentrada atravessa a casa expansiva
A casa e seus escombros rejuvenescem os homens

Nas páginas espumantes da casa-corpo,
toda sombra guarda uma palavra;
ali, são as pernas que carregam seus escombros

A forma trágica de uma simples maçã preenche os silêncios da casa
Um sonhador desperta os móveis adormecidos e a casa flutua
entre um equilíbrio íntimo de paredes e brilhos renovados

Corredores se ampliam
em um estranho murmúrio de sol
Flores de cicutas enfeitam os vasos
O amor adoeceu sua casa,
o amor entupiu sua pia

Aqui, esta casa se afunda pelo meio dos cabelos e
a vida mente diante das estruturas
Luas mortas brilham no firmamento da razão

As ruínas carecem de método,
pássaros alheios atravessam continentes errantes
A casa nos sonha
Os mapas transbordam

É a cidade que nos imagina
quando caminhamos
mais estranhos do que o paraíso,
mais remotos do que o espaço,
desentranhados dos velhos dicionários

Também o relâmpago nos olha
quando acompanhamos os ingênuos com os seus jornais,
a ciência experimental dos solitários,
a ciência lírica dos desenganados

Na geometria do olho cada palavra contêm um diminuto oceano,
pela clausura da pele brilha a metáfora dissonante,
para além de todas as casas em que alguém já sonhou habitar
– A cidade é toda ela a casa do homem

É a cidade que nos sonha


("Casa" in: Máquina de fazer mar, 2016, 7Letras, AGC)


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